Movimento tenta ganhar massa muscular e conquistar corações
e mentes de um país que não se mobiliza de forma abrangente desde os protestos
pelo fim da guerra do Vietnã.
A primavera árabe, elogiada nos meios de comunicação como
movimento popular pelo fim das tiranias naquela parte do mundo, pode estar se
repetindo onde menos se esperava: no coração financeiro do planeta, de onde
emana o modelo que o leva a um impasse de grandes proporções, que ameaça sua
própria sobrevivência. O movimento "Ocupar Wall Street", embora ainda
sem objetivos muito bem definidos e sem a mesma atenção midiática dispensada
aos povos árabes, está colocando o dedo na ferida do capitalismo financeiro e arregimentando cada vez mais
pessoas.
Manifestações pacíficas, aplaudidas em outros cantos do
mundo, naturalmente não são bem-vindas no quintal norte-americano, ainda mais
quando decidem acampar no distrito financeiro de Nova York. Na praça Tahir,
pode, na Porta do Sol, vá lá, mas em Wall Street não. A democracia dos Estados
Unidos tratou seus pacíficos cidadãos a cassetetes e gás de pimenta, quando se
dirigiam ao local. Mais de 700 pessoas foram presas pelo "crime" de
se manifestarem contra uma ordem mundial que causa crise, recessão e
desemprego.
Mas o tiro está saindo pela culatra. Assim como nas praças
árabes, a repressão gera mais mobilização, e diversas categorias profissionais
aderem ao movimento. A solidariedade começa a se espalhar por outras cidades
dos Estados Unidos e o movimento cresce, aparece e luta pelo que o presidente
Obama não conseguiu. Inverter a ordem do jogo em que ricos ficam cada vez mais
ricos e os pobres cada vez mais numerosos. O desemprego nos EUA atinge cerca de
20 milhões de pessoas, enquanto os bônus nos grandes bancos e empresas
movimentam fortunas ofensivas, principalmente em tempos de crise e déficit
fiscal elevado.
Qualquer tentativa de elevação de imposto, taxação dos mais
ricos ou algo que o valha é bombardeada pelos republicanos e pelo setor
conservador da sociedade, que não entrega os anéis, mas periga perder os dedos.
O movimento norte-americano se organiza pelas redes sociais e funciona de forma
horizontal, sem lideranças definidas. Na praça Tahir também não havia
lideranças claras, mas a persistência do povo egípcio derrubou o governo.
Os manifestantes norte-americanos não pedem a cabeça de
Obama, mas em seu protesto ainda difuso está a revolta contra o domínio do
capital financeiro sobre o país. Os americanos de lá perderam suas casas na
crise do subprime e seus empregos no repique da convulsão econômica, da qual o
país não conseguiu emergir. Para um país forjado por sua classe média deve ser
insuportável conviver com tanta desigualdade social, ameaçando sua democracia
política.
O movimento ainda irá enfrentar mais repressão policial e
boicote midiático. Seu futuro é incerto. Mas pela solidariedade que tem
despertado e o envolvimento de categorias de peso, como o sindicato nacional
dos trabalhadores do setor siderúrgico (USW), com mais de um milhão de
filiados, pode ganhar massa muscular e conquistar corações e mentes de um país
que não se mobiliza de forma abrangente desde os protestos pelo fim da guerra
do Vietnã.
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