No
Brasil, é comum a criação de mistificações para se atingir objetivos
políticos. É o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse estandarte
do PSDB só entrou em vigor em 4 de maio de 2000, faltando cerca de um
ano e meio para o fim da era tucana, depois de uma longa farra fiscal e
cambial. Isso diz muito sobre a importância que os tucanos deram à LRF.
A aprovação tardia desta lei atendeu a um
objetivo: o estabelecimento de uma âncora fiscal para cobrir enormes
rombos dos cinco primeiros anos da gestão tucano-pefelista.
Entre 1995/99, o Brasil pagou um altíssimo
preço pelo populismo cambial: elevados déficit público e taxas de juros
e baixo crescimento da economia. Fora três visitas ao FMI de pires na
mão.
Governos devem ser julgados não pelos
discursos, mas pela prática. No caso da responsabilidade fiscal, os
números fiscais de FHC são um rosário de desastres. Em 1994, a dívida
total do setor público era de 30% do PIB; em 2002, depois de todas as
privatizações feitas supostamente para abater a dívida, saltou
oficialmente para 51% do PIB (o número foi manipulado , na verdade
alcançou 57%).
Nos governos Lula, sem privatizar nada e
nem maquiar números, caiu para 41% do PIB. E a presidente Dilma já
estabeleceu meta, para 2014, de 30% do PIB,
Nada contra metas e limites para despesas
com pessoal e para endividamento público, mas discordamos quando os
tucanos querem transforma a LFR em artigo de fé intocável.
O técnico de futebol pode aplicar uma
retranca num dia e jogar mais aberto no outro. O presidente Lula fez
ajuste fiscal no seu primeiro ano de governo, para tapar os enormes
rombos de FHC. Lula fortaleceu o Brasil e pôde ir para o ataque em
2008, para enfrentar a crise mundial, com exitosas políticas
anticíclicas.
Os tucanos, ao renunciarem ao projeto
nacional, parecem que querem condenar o Brasil a uma eterna política de
ajuste fiscal. Ora, governantes eleitos pelo PT sempre praticaram a
responsabilidade fiscal por óbvio dever de consciência, mesmo antes da
LRF.
Em 2002, o governo FHC instituiu um prêmio
para homenagear autoridades municipais que praticaram com mais rigor a
responsabilidade fiscal, e um dos principais premiados foi o prefeito
petista Neodi Saretta, de Concórdia (SC). Mas o PT foi proibido de
filmar a premiação, no Palácio do Planalto. O episódio sugere que o
PSDB pensa que é o dono da responsabilidade fiscal. Certamente não é. A
responsabilidade fiscal deveria ser dever de todos os que se atrevem a
entrar na vida pública.
Passada a campanha eleitoral, os
governadores eleitos - entre eles o de São Paulo - descobriram vícios
importantes na sacrossanta LRF. Chegaram à conclusão de que os estados
vão desembolsar em 2010 R$34 bilhões para pagar a dívida para com a
União. Ainda assim, o estoque da dívida aumentará em R$22 bilhões.
Pode-se concluir que agora, passadas as eleições, os tucanos querem
fazer algumas alterações na LRF. Acho que o PT - bem como o governo
Dilma - pode aceitar este debate, desde que ele seja travado em termos
racionais.