Texto publicado no Jornal do Brasil
Se o general José Elito Siqueira disse o
que lhe foi atribuído, cometeu erro político irreparável e juízo
equivocado sobre a História. O erro político foi tocar em assunto
delicado e constrangedor, em qualquer governo democrático, e não só no
de Dilma Rousseff: o dos desaparecidos durante o regime militar. Se
assim pensava, não deveria ter aceitado o cargo.
Temos, sim, por que nos envergonhar do que
ocorreu em 1964 e em todos os anos que se seguiram. Todos, militares e
civis, sacerdotes e ateus, mulheres e homens, de esquerda e de direita,
do governo e da oposição, que vivemos aquele tempo, temos, uns menos,
outros mais, culpa pela supressão dos ritos democráticos.
Como diriam os anarquistas, não houve
inocentes, e, se os houve, eles também cometeram o pecado do
conformismo. Responsáveis foram dirigentes políticos de esquerda, que
avaliaram mal a correlação de forças e pretenderam queimar etapas,
ainda que o fizessem com os melhores sentimentos humanos, como os da
igualdade e da liberdade.
A História costuma ser implacável contra
os que violam seu ritmo e suas razões. Responsáveis, e com muito maior
dolo, foram os que se aliaram aos estrangeiros, esquecendo os nossos
interesses nacionais e os nossos valores, e se uniram aos Estados
Unidos no confronto da Guerra Fria, com o argumento de que as
fronteiras eram ideológicas e não geográficas.
As nossas razões eram as de não tomar
partido algum na disputa entre os brancos nórdicos, e muitos
brasileiros, em nome dos ideais de justiça e igualdade, defendiam –
mesmo depois do relatório Khruschev contra Stalin – a política externa
russa. Devíamos ter tido posição mais ativa no Grupo dos Não Alinhados.
Isso não nos impediria de continuar fazendo negócios com Moscou e com
Washington, como, aliás, americanos e soviéticos sempre fizeram entre
eles.
Temos, sim, que nos envergonhar. Também
foram responsáveis os que aplaudiam, nos estádios, o general
presidente, enquanto nas masmorras, jovens e velhos, mulheres e homens,
intelectuais, como Mário Alves, jornalistas, como Vladmir Herzog, e
operários, como Manuel Filho, eram torturados e trucidados. Lembro-me
do que me disse dom Paulo Arns, sobre aquele tempo. Contou-me que, ao
visitar, em São Paulo, as presas políticas, depois de ouvi-las,
queixou-se ao diretor do presídio. Ele se desculpou, dizendo que elas
exageravam, e que devia descontar uns 50% em suas queixas. Dom Paulo
lhe disse, então, que se apenas 5% do que se queixavam fossem verdade,
todos os culpados pelo que elas sofriam, incluídos ele e o
interlocutor, deviam ser condenados ao inferno. Responsáveis foram os
veículos de comunicação que não só aplaudiram a repressão como com ela
colaboraram e apoiaram o sistema autoritário, durante o período mais
sangrento daquelas duas décadas.
Anistia, voltamos a lembrar, é
esquecimento. Mas não podemos negar aos que perderam os seus filhos,
pais e irmãos, naqueles anos pesados, o direito de saber onde foram
sepultados, e as circunstâncias de sua morte. É da cultura de todos os
povos o respeito e a veneração aos mortos. Assim é de seu direito
resgatar seus restos e lhes dar sepultura, a fim de a eles levar as
lágrimas da saudade.
Temos, sim, que nos envergonhar, e muito,
todos os que vivemos aquele tempo. Não fizemos o bastante para evitar
que homens como Manuel Fiel Filho e Vladmir Herzog fossem mortos, da
forma como foram, sem nem mesmo o direito à honra do combate.
É hora de venerar os heróis que combateram
de peito aberto os inimigos em Guararapes, como lutou e morreu Marcílio
Dias, na Batalha do Riachuelo, e como pelejaram os heróis da FEB na
Itália, mas, acima de todos, Caxias, o grande pacificador nos
desencontros internos, que, uma vez vitorioso, recomendava a imediata
anistia política aos revoltosos.
Mauro Santayana é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário