A corrupção tem sido uma loteria ao contrário: o vencedor
compra o bilhete e espera ser sorteado depois; o corrupto rouba primeiro porque
sabe da pouca probabilidade de ser punido.
A impunidade é o pai da corrupção, a mãe é a falta de
valores morais: de compromissos sociais e sentimento pátrio entre os que se
dedicam à política.
A vocação política deveria nascer do sentimento de
responsabilidade com a coletividade, com o país, com a humanidade. Quando essa
vocação surge, a vida pública é um sacrifício com o prazer de realizar a obra
da construção do mundo.
O político é um escultor. A escultura é o mundo que ele
transforma por sua ação; e sua biografia termina esculpida por suas ações.
Joaquim Nabuco é um dos exemplos brasileiros. Sua biografia se fez, enquanto
ele esculpia a abolição da escravatura. Ele e sua carreira se confundiam com a
luta e o resultado obtido.
Impossível imaginar Nabuco roubando porque, mesmo que
houvesse impunidade no seu tempo, ele fazia política com o propósito de
realizar seu compromisso social com os escravos, seu amor patriótico por um
país sem escravidão.
Políticos comunistas, socialistas e capitalistas liberais
lutavam pela democracia, e pela igualdade e fraternidade. Seus partidos se
organizavam por suas bandeiras para lutar por um país melhor para todos. A luta
política era feita em trincheiras e o interesse político se realizava no
coletivo.
Ao perderem bandeiras, os militantes se transformaram em
filiados, os políticos em carreiristas e os partidos em clubes eleitorais. As
bandeiras, causas e idéias foram substituídas por metas eleitorais; os
discursos e convencimentos pela manipulação do marketing; e os candidatos e
políticos substituíram os líderes e estadistas. A luta foi substituída pelo
apego aos cargos.
Sem ideais e sem punição a porta da corrupção ficou
escancarada.
É isso que vem ocorrendo no Brasil. As forças liberais
realizaram a democracia e sentiram-se livres para usar o Estado como o celeiro
de onde tirar proveito privado, pessoal ou empresarial.
Aqueles que além da democracia ainda continuaram lutando
pela ética e por bandeiras sociais, ao perderem as convicções e propostas
chegaram ao poder e passaram a conviver com a corrupção como um fato natural,
não mais um crime da política contra o povo e o país.
Ainda mais grave: a política passou a oferecer o magnetismo
das benesses e do enriquecimento fácil. A política permite o salto, de um dia
para o outro, da sobrevivência com contra-cheque de assalariado para o poder de
manejar bilhões de reais do dinheiro público.
Coincidindo a impunidade jurídica e a falta de valores
morais, a corrupção torna-se um filho natural da política e gera netos
hediondos, tais como, estradas paradas, porque a licitação foi burlada; alunos
sem merenda, por causa do desvio de verbas; uma empresa escolhida no lugar de
outra, porque pagou propina. Um triste produto desse casamento é a quebra da
confiança nos políticos e a recusa dos jovens de ingressarem na política.
Ainda pior é quando os mais velhos olham com desconfiança
para os jovens que desejam fazer política, como se eles quisessem obter
vantagens, e não oferecer sacrifício ao país. A política fica sem dignidade e
os líderes que deveriam ser exemplos são vistos como aproveitadores.
Quando as bandeiras tradicionais morrem antes de serem
substituídas por novas e a impunidade coincide com um marco jurídico impotente
para enfrentar e combater a corrupção, o país entra em crise de credibilidade.
É necessário romper esse casamento maldito, acabando com a
impunidade e consolidando novas bandeiras. Mas vivemos em um tempo em que as
bandeiras morrem antes que novas surjam. As ideias só se transformam em causas
quando o povo às entende e aceita.
Mas hoje, a população está dividida entre uma parte pobre
interessada apenas na solução dos problemas imediatos e uma parte rica desejosa
de manter os benefícios aos quais está acostumada graças a um modelo de
sociedade e economia que já não têm mais como manter tantos privilégios.
No vazio ideológico desse tempo, não se pode esperar até que
novas causas sejam aceitas pela maioria. Por isso, a forma possível de
enfrentar a corrupção no momento é romper o casamento maldito pelo lado da
impunidade, eliminando-a enquanto os novos valores sociais vão sendo
construídos aos poucos pela história.