Médicos denunciam que Israel testa suas novas armas na
população da Faixa de Gaza, provocando mutilações, queimaduras e ferimentos
O garoto de 13 anos joga futebol com os amigos na tarde
ensolarada. De repente, aviões israelenses surgem no céu. Os meninos não têm
tempo nem de correr: um míssil cai sobre eles.
A ambulância chega rapidamente e os leva ao hospital
Al-Shifa, o maior da Cidade de Gaza, a capital da Faixa de Gaza. Alguns dos
garotos estão inconscientes. Outros estão mortos.
Dias depois, o médico Ayman Al Sahbani, diretor do
departamento de emergências do hospital, mostra o menino de 13 anos na cama de
um cubículo cheio de aparelhos médicos. Vários pontos do corpo, todo coberto
por faixas brancas, estão plugados nos aparelhos (foto abaixo). Uma perna
apoia-se numa espécie de mesinha de ferro. Os braços estendem-se ao lado do
corpo. Só os braços. As mãos foram perdidas no ataque israelense.
“Quando o pessoal do socorro o trouxe, pensei que ele
estivesse morto. Então o ouvi gritar: ‘Ai, mamãe!’. Levei-o de imediato para a
sala de cirurgia e o operei. Várias vezes. Já faz cinco dias, e ele continua
vivo. Tem queimaduras terríveis e
estilhaços de metal por todo o corpo. Será que vai poder jogar futebol
de novo? Não tenho ideia.”
Ninguém sabe quem é o garoto. E essa é uma situação comum
nos hospitais. Os feridos chegam, queimados, mutilados, os corpos perfurados
por pedaços de metal, e são atendidos por médicos e enfermeiros exaustos,
angustiados, tentando fazer com que o pouco material de que dispõem seja
suficiente para todos.
Novas armas
Ali, no setor de emergência cheirando a antisséptico, o
ruído dos ventiladores mistura-se ao bipe dos monitores e aos passos apressados
dos profissionais cuja tarefa é salvar as vidas daqueles que chegam. A
identidade dos feridos é o que menos importa nessa hora.
“As vítimas, em sua maior parte, são mulheres e crianças”,
explica o médico Al Sahbani. “Vítimas civis”, ressalta. “Chegam aos pedaços,
alguns queimados de tal modo que se tornam irreconhecíveis. Há 20 crianças
aqui, com ferimentos que nunca vi, nem na Operação Chumbo Fundido, quando
observei pela primeira vez as queimaduras provocadas pelo fósforo branco. As
armas de agora são piores, causam lesões terríveis, despedaçam pés, pernas,
mãos, enchem os corpos com centenas de pequenas peças de metal.”
Operação Chumbo Fundido foi o nome dado aos ataques
israelenses contra a Faixa de Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009,
que causaram cerca de 1.500 mortes, em sua grande maioria, de civis.
Al Sahbani continua, depois de uma pausa: “Meu filho de 11
anos me pergunta por que isso acontece, por que Israel nos ataca assim. O que
posso responder a ele?”.
Uma das respostas possíveis seria cruel demais para uma
criança: Israel está testando, mais uma vez, suas novas armas em alvos vivos.
Em seres humanos que há mais de 60 anos vivem sob ocupação israelense, e que
antes disso sofreram massacres e expulsões, e viram suas casas e cidades serem
destruídas ou tomadas por grupos paramilitares sionistas.
Como lembrou o diretor do departamento de emergências do
hospital Al-Shifa, não é a primeira vez que essas substâncias são
experimentadas na população de Gaza.
Israel admitiu o uso do fósforo branco em 2006 e em 2008- 2009, na
Operação Chumbo Fundido. O que os sionistas não contaram, porém, foi a adição
de metais tóxicos ao fósforo branco.
Metais cancerígenos
Mas o New Weapons Committee (NWRG), grupo de pesquisadores,
acadêmicos e profissionais de mídia que estuda os efeitos das novas tecnologias
de guerra, descobriu e divulgou. Embora a mídia corporativa não tenha dito uma
única palavra sobre isso, o relatório do NWRG foi publicado em maio de 2010 e
está à disposição de quem quiser consultá-lo:
www.newweapons.org/files/20100511pressrelease_eng.pdf.
De acordo com o
informe, análises em tecidos humanos enviados ao comitê por médicos de Gaza,
retirados de “ferimentos provocados por armas que não deixam fragmentos nos
corpos das vítimas”, encontraram “metais tóxicos e cancerígenos, capazes de
produzir mutações genéticas. [...] Isso mostra que foram utilizadas armas
experimentais, cujos efeitos ainda são desconhecidos”.
A pesquisa seguiu dois estudos anteriores do NWRG. O
primeiro, publicado em 17 de dezembro de 2009, estabeleceu a presença de metais
tóxicos em áreas ao redor das crateras provocadas pelo bombardeio israelense na
Faixa de Gaza. O último, publicado em 17 de março de 2010, apontou a presença
de metais tóxicos em amostras de cabelo de crianças da região.
Ambos indicam contaminação ambiental, agravada pelas
condições de vida naquele território, que propiciam o contato direto com o
solo. Os abrigos expostos ao vento e à poeira, devido à impossibilidade de
reconstrução das moradias – Israel não permite a entrada de materiais de
construção e ferramentas necessárias – também facilitam o contato com as substâncias
tóxicas espalhadas no ambiente.
Danos à saúde
O trabalho, realizado pelos laboratórios das universidades
Sapienza de Roma (Itália), Chalmers (Suécia) e Beirute (Líbano), foi coordenado
pelo NWRG e comparou 32 elementos encontrados nos tecidos das vítimas. “A
presença de substâncias tóxicas e cancerígenas nos metais detectados nos
ferimentos é relevante e indica riscos diretos para os sobreviventes, além da
possibilidade de contaminação ambiental”, diz o relatório.
“Alguns dos elementos encontrados são cancerígenos
(mercúrio, arsênio, cádmio, cromo, níquel e urânio); outros são potencialmente
carcinogênicos (cobalto e vanádio); e há também substâncias que contaminam
fetos (alumínio, cobre, bário, chumbo e manganês). Os primeiros podem produzir
mutações genéticas, os segundos podem ter o mesmo efeito em animais (ainda não
há comprovação em seres humanos), os terceiros têm efeitos tóxicos sobre
pessoas e podem afetar também o embrião ou o feto em mulheres grávidas”, alerta
o documento.
Há mais, segundo o relatório de 2010: “Todos os metais,
encontrados em quantidades elevadas, têm efeitos patogênicos em humanos,
danificando os órgãos respiratórios, o rim, a pele, o desenvolvimento e as
funções sexuais e neurológicas”.
Paola Manduca, professora e pesquisadora de genética da
Universidade de Gênova e porta-voz do NWRG, comentou, referindo-se às análises
do material recolhido em 2006 e 2008-2009: “Concentramos nossos estudos nos
ferimentos provocados por armas que, segundo os médicos de Gaza, não deixavam
fragmentos. Queríamos verificar a presença de metais na pele e na derme.
Suspeitava- se que esses metais estivessem presentes nesse tipo de armas [que
não deixam fragmentos], mas isso nunca tinha sido demonstrado. Para nossa
surpresa, mesmo as queimaduras provocadas por fósforo branco contêm alta
quantidade de metais. Além disso, a presença desses metais nas armas implica
que eles se dispersaram no ambiente, em quantidades e com alcance
desconhecidos, e foram inalados pelas vítimas e por aqueles que testemunharam
os ataques. Portanto, constituem um risco para os sobreviventes e para as
pessoas que não foram diretamente atingidas pelo bombardeio”.
Testes bélicos
Um risco de longo alcance: um dos metais utilizados, o
urânio, radioativo, é utilizado em usinas nucleares e na produção de bombas
atômicas. Ele tem vida útil de aproximadamente 4,5 bilhões de anos (urânio 238)
e 700 milhões de anos (urânio 235).
Em relação aos ataques atuais, de agosto de 2011,
pesquisadores do NWRG comentaram, ao ver imagens de feridos, transmitidas por
uma estação de TV de Gaza, que o exército israelense parecia utilizar as mesmas
armas da Operação Chumbo Fundido. Engano. As de agora são mais devastadoras,
segundo o médico Ayman Al Sahbani, do hospital Al-Shifa.
E permitem concluir que a nova investida contra Gaza não
está ligada apenas à tentativa de tirar os indignados israelenses dos
noticiários ou de deter os foguetes que brigadas como a Jihad Islâmica atiram
no sul de Israel. Os ataques também servem ao propósito de observar os efeitos
da mistura de novas substâncias, às quais se acrescentou a tecnologia das
bombas de fragmentação.
O médico Al-Sahbani deplora a situação, pedindo que o mundo
todo conheça o drama de Gaza e faça algo para detê-lo. “Somos humanos e só
queremos viver com liberdade, trabalhar corretamente, ver nossos filhos
crescerem livres, como em outros países”, declara. “Em outros países, as
crianças jogam futebol, nadam em piscinas sem o risco de ser bombardeadas,
amputadas e mortas, como acontece em Gaza. Que tipo de vida é esse para uma
criança?” (com informações de Julie Webb- Pullman, do portal Scoop Independent
News, diretamente de Gaza).