O
juiz Aluízio Bezerra, da 6ª Vara da Fazenda Pública, acatou ação do
Ministério Público e decretou a nulidade das leis estaduais nºs 9.245,
9.246 e 9.247, que ficam conhecida como a PEC 300 da Paraíba. Na sua
decisão o juiz esclarece que "Analisando o cerne da controvérsia destes
autos, vê-se que, o mérito da causa por ser exclusivamente de
direito
e de fato, está bem demonstrado com robusta e ampla prova documental
que lastreia este processo, possibilitando assim, o seu integral
conhecimento e a conseqüente desinfluente produção de novas provas para
sua noção e deslinde."
De acoerdo com Bezerra, o impacto
financeiro
anual seria de R$ 180.915.406,15 (cento e oitenta milhões, novecentos e
quinze mil, quatrocentos e seis reais e quinze centavos), um aumento
substancial na folha de pessoal da Administração Pública Estadual
editado e autorizado pelo gestor em final de mandato anterior para ser
suportado pelo posterior sucessor.
No final da sua decisão, o juiz declara "julga-se procedente o
pedido para declarar a nulidade das leis estaduais ordinárias nºs
9.245, 9.246 e 9.247, todas de outubro de 2010, para ato contínuo,
suspender quaisquer pagamentos ou dispêndios financeiros decorrentes
das referidas normas".
Mais informações em instantes.
Confira a íntegra da decisão do juiz:
Trata-se de ação civil pública visando à declaração de nulidade das
Leis Estaduais nºs 9.245, 9.246 e 9.247, todas de outubro de 2010, que
estabeleceram novos padrões remuneratórios para o efetivo das Polícias
Civil e Militar, e também de servidores Agentes de Segurança
Penitenciária e Técnicos Penitenciários do Estado da Paraíba, que foram
sancionadas no dia 31 de outubro, véspera da eleição do 2º turno para
governador.
Sustenta a inicial que a edição dessas normas afrontou o inciso I,
do § 1º do art. 169 da Constituição Federal, devido inexistir prévia
dotação orçamentária, conforme aponta parecer do Tribunal de Contas do
Estado (fls. 85/93).
Argumenta também que as leis estaduais violaram o art. 21 da Lei
Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que
declara nulos os atos que importem em aumento com despesa de pessoal
nos 180 (cento e oitenta) dias do término do mandato de gestor público.
A petição está instruída com os documentos necessários capazes de
demonstrar a legitimidade processual do Autor e cotejamento do alegado
para invocar a sua pretensão.
Ouvida do representante da pessoa jurídica de direito público (fls.237/242).
Medida liminar deferida (fls. 243/247).
Contestação (fls. 458/499) acolhendo a procedência do pedido e o julgamento antecipado da lide.
Deferimento da habilitação dos Assistentes Simples (fls. 435/438).
Intimação dos Assistentes (fls. 439 e 501); mas nada foi requerido.
Relatado. Decide-se
Analisando o cerne da controvérsia destes autos, vê-se que, o mérito
da causa por ser exclusivamente de direito e de fato, está bem
demonstrado com robusta e ampla prova documental que lastreia este
processo, possibilitando assim, o seu integral conhecimento e a
conseqüente desinfluente produção de novas provas para sua noção e
deslinde.
Em conseqüência deste posicionamento adotado, impõe-se sua ciência
direta para fins decisórios, conquanto estão presentes às condições que
ensejam o seu julgamento antecipado, nos termos do art. 330 do Código
de Processo Civil.
No caso vertente, o Promovido reconheceu a procedência do pedido e requereu o julgamento antecipado da lide.
Nesse sentir :
Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa,
é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder (STJ – 4ª Turma,
REsp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 17.9.90). No mesmo
sentido : RSTJ 102/500, RT 782/302.
O juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, ao
constatar que o acervo documental é suficiente para manter seu
entendimento. (STJ - REsp 556368 / SP – 2ª Turma - DJ 23/11/2007 p. 452
– rel. Min. João Otávio de Noronha)
O julgamento antecipado da lide, quando a questão proposta é
exclusivamente de direito, não viola o princípio constitucional da
empala defesa e do contraditório (STF – 2ª Turma – AI 203.793-5-MG,
rel. Min. Maurício Corrêa, j. 3.11.97, DJU 19.12.97, p. 53)
Ante o exposto, com suporte no art. 330, I, do Código de Processo Civil, decido julgar antecipadamente a presente causa.
MÉRITO
A controvérsia desta demanda versa sobre a realização de ato
promovido, pelo então governador do Estado da Paraíba, durante o
período eleitoral, que coincidiu com os últimos 180 (cento e oitenta)
dias do final do seu mandato, de sancionar as leis referidas que
resultariam no aumento de despesas com pessoal dos quadros das
policiais civil e militar, além dos servidores da categoria de agente
de segurança penitenciário e técnico penitenciário do Estado da Paraíba.
Examinando os elementos informativos indicados pelo Promovido na sua
manifestação prévia (fls. 242), o impacto financeiro anual seria de R$
180.915.406,15 (cento e oitenta milhões, novecentos e quinze mil,
quatrocentos e seis reais e quinze centavos), um aumento substancial na
folha de pessoal da Administração Pública Estadual editado e autorizado
pelo gestor em final de mandato anterior para ser suportado pelo
posterior sucessor.
Afora esse vultoso encargo produzido durante os 180 (cento e
oitenta) dias anteriores ao término daquele governo, em pleno período
eleitoral, há de verificar essa conduta dentro dos parâmetros
normativos de regência dessa matéria.
Analisando a Constituição Federal, a matriz de todas as leis,
estabelece regramentos rígidos para a realização de gastos com pessoal
pelas Entidades Públicas, ao tempo em que confere à lei complementar a
fixação dos limites a serem fixados.
O dispositivo da Lei Maior está assim redigido:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os
limites estabelecidos em lei complementar.
§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a
criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de
carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer
título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta,
inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só
poderão ser feitas: I - se houver prévia dotação orçamentária
suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos
acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes
orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de
economia mista.
§ 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida
neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão
imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou
estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não
observarem os referidos limites.
§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste
artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as
seguintes providências:
I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em
comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não
estáveis.
§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem
suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei
complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o
cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes
especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa
objeto da redução de pessoal.
Emerge da leitura dos Incisos I e II do § 1º do citado dispositivo a
exigência de previsibilidade de “prévia dotação orçamentária suficiente
para atender as projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela
decorrentes” foi diretamente aviltado quando se constata que o
relatório do Tribunal de Contas do Estado (fls. 93) deduz “no PLOA
2011proposto pelo Governo do Estado inexiste suporte orçamentário para
o impacto orçamentário e financeiro decorrente das leis estaduais 9.245
e 9.246/10”Evidencia-se assim, que as citadas leis estaduais foram
editadas e aprovadas em frontal desrespeito ao requisito fundamental de
previsão da capacidade orçamentária e financeira para suportar o
impacto considerável das despesas com a remuneração das categorias
destinatárias e favorecidas.
Extrai-se, igualmente, do aludido dispositivo constitucional
inserido no Capítulo que disciplina as finanças públicas, das suas
normas gerais e do orçamento público, que a despesa com pessoal da
Administração Pública não poderá exceder os limites estabelecidos em
lei complementar.
Essa lei complementar reservada pela Constituição da República,
trata-se da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade
Fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal dos órgãos e Poderes Públicos de
todos os níveis da Administração Pública.E a Lei de Responsabilidade
Fiscal assim normatizou:
Art. 21. ...
Parágrafo único. TAMBÉM É NULO DE PLENO DIREITO O ATO QUE RESULTE
AUMENTO DE DESPESA COM PESSOAL EXPEDIDO NOS 180 (CENTO E OITENTA) DIAS
ANTERIORES AO FINAL DO MANDATO DO TITULAR DO RESPECTIVO PODER OU ÓRGÃO
REFERIDO NO ART. 20.”
Salta aos olhos que, a vedação de ato que compreende lei, decreto,
portaria ou resolução, instrumentos legais de manejo das atitudes e
decisões administrativas, nos últimos 180 (cento e oitenta) dias
anteriores ao final do mandato do titular de Poder, é declarado nulo
pela referida Lei Complementar à Constituição.
Aqui é importante tecer algumas referências a respeito da supremacia
da lei complementar sobre as leis ordinárias, especialmente quando
aquela decorre de autorização específica da Carta Magna.
Sobre essa temática leciona Paulo de Barros Carvalho[2], quanto ao
pressuposto material das leis diz que "se a Constituição prevê
expressamente que determinado assunto seja legislado por lei
complementar é evidente que este assunto não pode ser tratado por outra
espécie de norma. Não pode, portanto, a lei ordinária invadir o campo
de atuação destinado à lei complementar. Havendo invasão, ocorre a
nulidade restrita ao campo de invasão, por desrespeito a norma
constitucional."Heleno Torres[3], em sua valiosa obra sobre as
peculiaridades da lei complementar em relação à lei ordinária diz que
"(...) as leis complementares encontram no sistema constitucional o
respectivo campo material predefinido (competência), sob a forma de
matérias sujeitas ao princípio de reserva de lei complementar
(pressuposto material) e são aprovadas por maioria absoluta
(pressuposto formal, art. 69, CF). Eis o quanto as diferem das leis
ordinárias."
De modo que, é lei complementar material aquela aprovada por maioria absoluta pelas
Casas
do Congresso Nacional e que trate de matéria reservada pela
Constituição para esse tipo de lei, a exemplo da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Note-se que as normas legais compõem, então, uma relação vertical de
subordinação, medida pela sua rigidez. A norma constitucional figura no
ápice e a lei ordinária na base, enquanto a lei complementar resta como
norma interposta.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é norteada por uma regra de
superior interesse público: a do equilíbrio orçamentário, ou seja, o
combate sistemático aos déficits primários que objetiva assegurar
recursos para
investimentos
nas atividades típicas do Estado para aqueles que mais precisam do
auxílio e amparo do Poder Público. Isso porque, a Lei de
Responsabilidade Fiscal almeja ser um complexo de normas ótimas de
gestão e administração, entendendo-se por normas ótimas de gestão, a
redução com gastos do pessoal, assegurando o aumento da receita e
limitando o endividamento (especialmente dos Estados e Municípios).
Preocupa-se, antes, com a eficiência, tentando aproximar a gestão da
coisa pública, da gestão "prudencial" da coisa privada.
Com efeito, deve-se reconhecer a superioridade hierárquica da Lei
Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, que nasceu formalmente
amparada pelo Capítulo II do Título VI, da Constituição Federal.
De fato, a Carta da República prevê nos arts. 24, 163, 165, § 9º e
169, que por meio de lei complementar federal, a União edite normas
gerais sobre Finanças Públicas e Direito Financeiro em geral (inclusive
dívida pública interna e externa; concessão de garantias pelas
entidades públicas; exercício financeiro, elaboração e organização do
plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei
orçamentária; bem como limites e condições para as despesas com pessoal
etc.).
Exsurge pelo cenário delineado o conflito das normas estaduais
ordinárias com a supremacia de uma lei complementar reservada pela
Constituição Federal de natureza material.
Diante dessa colidência normativa, preleciona Maria Helena Diniz[4]:
O critério hierárquico (Lex superior derogat legi inferiori) é
baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a
outra. O princípio lex superior que dizer que num conflito entre normas
de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem
cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo.
Registre-se assim, a induvidosa prevalência da supremacia da lei
complementar de natureza material para declarar a nulidade de norma de
esfera inferior quando conflita com aquela.
Não bastasse a edição do ato dessas leis estaduais, afrontosamente
no período de conteúdo específico vedado pela lei maior, outros vícios
contagiariam de nulidade absoluta ao extrapolar aquela gestão
governamental, os limites de despesas com pessoal naquele semestre
anterior ao término de seu mandato
De acordo com o Relatório de Gestão Fiscal, publicado no DOE de 30
de setembro de 2010 (fls. 491) a despesa total de pessoal,
confrontando-se com a Receita Corrente Líquida atingiu o percentual de
54,98% (cinqüenta e quatro vírgula noventa e oito por cento), ou seja,
5,98% (cinco vírgula noventa e oito por cento) acima do limite máximo
para o Poder Executivo.
Convém assinalar que há vedação expressa de aumento do limite de
pessoal quando a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e
cinco por cento) do limite prudencial, pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, sendo vedado ao Poder ou Órgão Público, a alteração de
estruturação de carreira funcional que importe aumento de despesa, cujo
dispositivo está escrito:
“Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.
Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95%
(noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão
referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:
I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de
remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial
ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista
no inciso X do art. 37 da Constituição;
II - criação de cargo, emprego ou função;
III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal
a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria
ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso
II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei
de diretrizes orçamentárias.”
Assim é que, a gestão que ultrapassar o limite prudencial de 95%
(noventa e cinco por cento), ou seja, 46,55% (quarenta e seis vírgula
cinqüenta e cinco por cento) fica impedida de conceder vantagem,
aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título,
alteração de estrutura de carreira que implique aumento despesa; é o
sinal vermelho para que não agrave a situação limite estabelecida pela
referida Lei; para o cidadão seria sacar além do limite do cheque
especial, ou seja, ocorreria excesso sobre o seu limite.
No caso em vertente, o Poder Executivo Estadual já tinha alcançado o
excesso de 54,98% (cinqüenta e quatro vírgula noventa e oito por
cento), estando, portanto, 5,98% (cinco vírgula noventa e oito por
cento) acima, numa gravosa situação de desequilíbrio e desordem fiscal
quando aventurou sancionar as leis estaduais impugnadas.
Com efeito, excedendo-se ao limite prudencial previsto na Lei de
Responsabilidade Fiscal, é induvidoso o impedimento normativo do gestor
público de autorizar, a qualquer título, ato que resulte em aumento com
despesa de pessoal, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade e
crime contra as finanças públicas.
De modo que, é imperiosa a implementação de medidas saneadoras
objetivando o enquadramento da Administração Pública nos limites
estabelecidos pela norma de regência, para assim, retirá-la do estado
de marginalidade fiscal, e ao mesmo tempo possibilitar recursos
financeiros para assegurar aos segmentos mais carentes da população o
acesso aos bens da civilização na área de saúde, educação e segurança
com serviços de qualidade e eficiência.
Como se vê, cabe ao Autor, na incumbência constitucional da defesa
da ordem jurídica com o manejo dos instrumentos processuais adequados
perquirir no âmbito judicial, a proclamação da nulidade de atos
ilegais, abusivos e danosos ao interesse público.
Sobreleva proclamar pela relevância e similitude da hipótese versada
nestes autos, impende-se a transcrição do seguinte Precedente do STJ:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. LEI
COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 41⁄2002. READAPTAÇÃO DE VANTAGENS NOS TRÊS
ÚLTIMOS MESES DO MANDATO ELETIVO. MAJORAÇÃO DO AUXÍLIO-FAMÍLIA. AUMENTO
DE DESPESA COM PESSOAL. OFENSA À LEI ELEITORAL E À LEI DE
RESPONSABILIDADE FISCAL. 1. A Lei Complementar Estadual nº 41⁄2002,
publicada antes de dois meses e dezessete dias das eleições estaduais,
ao criar nova forma de cálculo do auxílio-família, implicou em aumento
de despesa com pessoal, de modo a malferir o disposto no art. 73, inc.
V, da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504⁄97) e no art. 21, par. único, da Lei
de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101⁄2002). 2. Recurso
ordinário improvido. (STJ – RMS nº 19.360-PB – 6ª Turma - DJe:
30/11/2009 – rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura)Emerge do
substancioso voto da eminente relatora, a seguinte manifestação
judiciosa assim escrita:
No mérito, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece
normas para as eleições, ao proibir determinadas condutas aos agentes
públicos em campanhas eleitorais, dispõe, em seu artigo 73, inciso V,
que:
"Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as
seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades
entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)V - nomear, contratar ou
de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou
readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o
exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou
exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses
que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de
pleno direito, ressalvados:a) a nomeação ou exoneração de cargos em
comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;b) a nomeação
para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais
ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;c) a
nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início
daquele prazo;d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou
ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia
e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;e) a transferência
ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes
penitenciários." (grifo não original)
De acordo com a Lei Eleitoral, é vedado ao agente público, sob pena
de nulidade por abuso do poder político, readaptar vantagens de
servidores públicos no período consubstanciado nos três meses
anteriores às eleições até a posse dos eleitos. Pretendeu o legislador
assegurar a isonomia no pleito eleitoral, de forma a garantir a
moralidade dos atos administrativos e coibir o favorecimento de
candidatos que pretendem se reeleger ou são apoiados por
administradores públicos que, no poder, poderiam influir no resultado
do pleito.Como bem ressaltado pela Corte de origem, "o escopo do art.
73 da Lei n. 9.504 foi o de impedir que, com a possibilidade da
reeleição, candidatos utilizem a máquina estatal em detrimento dos
demais concorrentes para angariar votos e, assim, sagrar-se vitorioso
nas eleições. Previne-se, nessa perspectiva, que sejam editados atos,
inclusive a promulgação de leis, os quais tenham nítida feição
'eleitoreira', isto é, com vista à captação de sufrágio em pleito
iminente e, não, ao verdadeiro interesse público."Na mesma linha, a Lei
Complementar nº 101⁄2002, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal,
prevê, em seu artigo 21, parágrafo único, a nulidade do ato que, nos
cento e oitenta últimos dias do final do mandato, implique em aumento
da despesa com pessoal:
"Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da
despesa com pessoal e não atenda:I - as exigências dos arts. 16 e 17
desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no §
1º do art. 169 da Constituição;II - o limite legal de comprometimento
aplicado às despesas com pessoal inativo.Parágrafo único. Também é nulo
de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal
expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do
titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20."No caso dos
autos, pleiteia a impetrante a aplicação do disposto no artigo 1º da
Lei Complementar Estadual nº 41⁄2002 (fl. 9), que criou nova forma de
cálculo do auxilio-família e implicou na majoração da referida vantagem
ao estabelecer que:
"Art. 1º. O auxílio-família é devido à base de 5% (cinco por cento)
por cada dependente, incidente sobre o vencimento básico do servidor
estadual de baixa renda, independente da modalidade de vinculo
empregatício mantido com o Estado, percebidos como contribuição do
custeio de manutenção de sua família".
Ocorre, porém, que referida Lei Complementar, consoante se verifica da
cópia do Diário Oficial juntada aos autos (fl. 9), foi publicada em 20
de julho de 2002, antes de dois meses e dezessete dias das eleições
estaduais, a serem realizadas em 06 de outubro daquele ano. Além disso,
ao reformular o auxílio-família, a Lei Complementar Estadual nº 41⁄2002
implicou em aumento de despesa com pessoal que, de acordo com
informações da autoridade coatora, deu-se no percentual de 2.666,67%,
"considerando que a benesse deixou de integrar as cifras dos R$ 0,45
(quarenta e cinco centavos), para integrar, no mínimo, R$ 12,00 (doze
reais), que se refere ao menos vencimento base pago pelo Estado" (fl.
37).Em assim sendo, por atender ao disposto na Lei Eleitoral (art. 73,
inc. V) e na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 21, parágrafo único),
deve-se concluir pela legalidade da omissão da autoridade impetrada na
implantação do auxílio-família correspondente ao valor determinado pela
Lei Complementar nº 41⁄2002.A orientação jurisprudencial tem o caráter
vinculativo de afastar o dever da autoridade em aplicar ou reconhecer
os efeitos da norma impugnada atentatória à Lei Eleitoral e à Lei de
Responsabilidade Fiscal, por já nascer sem vida legal para o mundo
jurídico.
Quanto à tese suscitada pelos Assistentes (fls. 390/414) de ser
imprópria em ação civil pública, tratar de declaração de
inconstitucionalidade, revela-se despicienda, visto que, é admissível
quando for preciso afastar a ilegalidade do ato para alcançar o seu
desiderato; é a manifestação incidental como já ficou sedimentado pelo
Superior Tribunal de Justiça:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DECLARAÇÃO
INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE – POSSIBILIDADE É possível a
declaração incidental de inconstitucionalidade, de lei ou ato normativo
do Poder Público, em ação civil pública desde que a controvérsia
constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir,
fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do
litígio principal. Precedentes do STJ. 8. A contratação de funcionário
sem a observação das normas de regência dos concursos públicos
caracteriza improbidade administrativa. Precedentes. 9. Recurso
especial não provido. (STJ - REsp 1106159 / MG – 2ª TURMA - DJe
24/06/2010 – rel. Min. Eliana Calmon).
Entretanto, a finalidade da demanda não é aquela declaração
vislumbrada pelo Assistente, mas a declaração de nulidade em
observância a proclamação do parágrafo único do art. 21 da Lei de
Responsabilidade Fiscal de nulidade de ato que aumente despesa de
pessoal naquele período da sanção das leis estaduais apontadas.
Mostra-se propício assinalar que o interesse do autor pode limitar-se à
declaração, como preceitua o art. 4º do Código de Processo Civil,
relativamente “da existência ou da inexistência de relação jurídica”;
aqui há perquirição de uma declaração de nulidade de ineficácia
jurídica das normas ordinárias estaduais, devido à lei maior já
declarar que o conteúdo delas é nulo, portanto, não produzem efeitos
materiais, elidindo assim, a responsabilidade da autoridade pública
obedecê-la ou aplicá-la.
Registre-se pela sua relevância que esta demanda objetiva a
declaração de nulidade já proclamada pela Lei de Responsabilidade
Fiscal (art. 21, parágrafo único); é a Lei Complementar Federal que
assevera a nulidade perquirida por esta ação de natureza declaratória.
Com efeito, as leis ordinárias estaduais enfocadas de natureza
inferior são nulas por afrontarem diretamente a lei superior de reserva
constitucional material; esta ação visa alcançar, apenas, a declaração
da nulidade já expressa e explicitada pela Lei de Responsabilidade
Fiscal.
Note-se, por oportuno, que os atos que atentem contra os princípios
administrativos importam em ato de improbidade administrativa (art. 11,
I, da Lei nº 8.429/1992), e o seu dispêndio pela Administração Pública
que possa acarretar aumento de pessoal nos cento e oitenta dias
anteriores ao final do mandato ou da legislatura, em eventual
configuração de crime contra as finanças públicas (art. 359-G do Código
Penal)[5].
De modo que, não há como negar à Administração Pública o direito e a
oportunidade de afastar despesa pública ilegal, cujo propósito se
observa na defesa da ordem jurídica e do interesse público.
A respeito dessa obrigação de defesa da ordem jurídica, ressalte-se a
imposição preceituada pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº
8.429/1992):
Art. 4º Aos agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são
obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.
Com efeito, a postulação ministerial almeja a defesa da ordem jurídica
com a preservação da Lei de Responsabilidade Fiscal para assegurar ao
Poder Executivo as condições de equilíbrio fiscal e financeiro, a ser
atingido com a declaração da nulidade das normas já referidas.
D E C I S Ã O
Ante o exposto, com respaldo no princípio da obrigatoriedade da
fundamentação dos atos jurisdicionais (art. 93, inciso IX, da
Constituição Brasileira) e no princípio do livre convencimento motivado
(art. 131, do Código de Processo Civil), e ainda, fulcrado nos arts.
4º, I, e 269, II, do Código de Processo Civil, baseado no inciso V do
art. 73 da Lei Federal nº 9.504/97, e fundado no parágrafo único do
art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar Federal nº 101/2000,
JULGA-SE PROCEDENTE O PEDIDO para declarar a nulidade das leis
estaduais ordinárias nºs 9.245, 9.246 e 9.247, todas de outubro de
2010, para ato contínuo, suspender quaisquer pagamentos ou dispêndios
financeiros decorrentes das referidas normas.
Registre-se sobre a inaplicabilidade de condenação em honorários
advocatícios, isto porque, as partes integrantes da relação processual
são entes estatais, isenção que é estendida aos Assistentes por estes
funcionarem na condição de auxiliar do vencido.
Deixa-se de observar as providências previstas pelo art. 7º da Lei
nº 7.347/85, tendo em vista ser o Ministério Público o Autor desta
ação, já tem ciência dos fatos narrados nesta ação e detém a
incumbência institucional para adoção das medidas legais.
Ratifica-se a medida liminar concedida (fls. 243/247).