segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Câmaras pagam R$ 500 mil em diárias


Após matéria veiculada pelo Correio sobre a “farra” das diárias dos prefeitos paraibanos, novo levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta que os vereadores também abusam do recebimento desses recursos. Os dados revelam que 342 vereadores dos 223 municípios paraibanos receberam quase meio milhão  (R$ 496.345,64) em diárias entre os meses de janeiro e outubro de 2011.


Com este dinheiro, seria possível pagar o salário de um vereador de João Pessoa durante os quatro anos de mandato, tomando como base a remuneração atual, que é de R$ 9,5 mil, a mais alta do Estado. 

Com os mesmos recursos, seria possível pagar 310 salários aos vereadores de Coxixola durante 3,5 anos. Lá, os vereadores recebem R$ 1,6 mil por mês.


Nos primeiros lugares do ranking dos “esbanjões” de diárias, estão presidentes de Câmaras. O de Cajazeiras, Marcos Barros de Souza (PSDB), lidera a lista. Ele recebeu R$ 12,9 mil de janeiro a outubro de 2011.

Em segundo lugar, está José Muniz de Lima (PSDC) do Conde, que embolsou R$ 11,9 mil. Logo em seguida, aparece Domingos Sálvio Maximiano Roberto, de Princesa Isabel que se beneficiou com R$ 11,1 mil.

O quarto lugar ficou com o presidente da Câmara de Cacimbas, Cícero Bernardo Cezar (PR), que levou R$ 10,89 mil. No quinto lugar, figura Marcos Eduardo Santos (PMDB) da cidade de Patos, que recebeu R$ 9,8 mil por cinco diárias para local não informado ao Sagres do TCE.

O presidente do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, conselheiro Fernando Catão, disse que a concessão de diárias tem uma normatização e uma legislação própria. “Isto, como se vê pelo levantamento feito, não está sendo observado. Não se tem observado, nem seguido nenhuma regra”, disse.

Ele reconheceu que há a necessidade dos políticos se deslocarem de seus municípios para outros, devido à atuação administrativa. “Isso é uma coisa normal, agora R$ 496 mil é um valor excessivo e só estudando um padrão é que nós vamos verificar estes excessos”, afirmou Catão.

As justificativas dos vereadores parecem seguir a mesma regra e são quase sempre iguais: valores foram usados para pagar despesas com a hospedagem, alimentação e transporte durante viagens para João Pessoa, Campina Grande e outras cidades do Estado e, também, para as cidades de Natal, Recife e Brasília, com o objetivo de participar de congressos e cursos de qualificação.

Justificativa não convence

Embora tenha ocupado a quinta colocação no ranking dos “esbanjões”, por ter “abocanhado” R$ 9,8 mil de uma só vez, a justificativa do presidente da Câmara de Patos, Marcos Eduardo Santos, é a que mais chama a atenção. Segundo consta no Sagres, o dinheiro recebido pelo parlamentar foi referente a cinco diárias para local não informado. Neste caso, o valor de uma diária saiu por quase R$ 2 mil.

Sobre o caso, Fernando Catão, disse que não pode afirmar categoricamente o que está acontecendo, por não ter conhecimento, ainda, de documentação que diga respeito ao assunto. Mas, adiantou que, a primeira vista, “me parece um valor excessivo para cinco diárias para qualquer lugar do mundo”.

Com os R$ 9,8 mil recebidos por Marcos Eduardo Santos por cinco diárias, seria possível passar 13 dias viajando por Madrid, Paris e Londres, com direito a translado, visitas a museus, parques e passagem aérea. Ainda sobrariam R$ 4,4 mil. Isto porque um pacote (promocional) de viagem para três capitais da Europa custaria R$ 5,34 mil.

Com a sobra seria possível bancar nove noites em Orlando, nos Estados Unidos, em apartamento duplo, com passagens aéreas inclusas, no pacote que sairia por R$ 3.190,00. Com os R$ 1,27 mil restantes, daria para passar três noites em uma pousada na ilha de Fernando de Noronha e, ainda, sobrariam R$ 80,00 para fazer um almoço.

Marcos Eduardo prefere não falar

Procurado pela reportagem, Marcos Eduardo Santos atendeu ao telefonema, e, após tomar conhecimento do assunto e de que se tratava de uma entrevista, se passou por um assessor e disse: “O vereador está em João Pessoa”. Perguntado se havia outro número de telefone que fosse possível falar com o vereador, respondeu que não. Segundos depois, solicitou que fosse deixado um contato para retorno. “Assim que ele (Marcos Eduardo) ligar eu passo o recado para que ele entre em contato”, disse o vereador se passando por assessor.

Minutos depois, quem atendeu ao telefone foi uma mulher que se identificou com sendo a esposa de Marcos Eduardo Santos. Ela disse que estava em João Pessoa com o vereador e que “ele deu uma saidinha e deixou o telefone no carro, mas volta daqui a pouco”. Até o fechamento desta edição muitas tentativas para falar com o vereador foram feitas, mas ele não mais atendeu às ligações, nem retornou para os números que foram deixados.

Barros foi quem mais se beneficiou

O vereador que mais recebeu diárias em 2011, Marcos Barros de Sousa, reconheceu como legítimos os R$ 12,9. “Eu tenho todos os comprovantes destas despesas. Se eu gastar um real com estacionamento, eu pego o recibo, pois todas as minhas despesas são comprovadas”, disse o vereador.

Ele garantiu que os valores foram utilizados para viagens a João Pessoa com o objetivo de tratar de assuntos de interesses do município com os deputados estaduais, com os secretários estaduais e para acompanhar a análise das contas da Câmara junto ao TCE.

O levantamento do Tribunal de Contas confirmou que todas as diárias recebidas pelo vereador de Cajazeiras foram utilizadas em viagens para João Pessoa. Marcos Barros, porém, justificou o recebimento de R$ 3, 6 mil como sendo para passar três dias em na Capital. Em outro momento, disse que recebeu R$ 1,5 mil para cinco diárias e, mais adiante, R$ 600 para passar quatro dias no mesmo lugar.

Apesar de admitir o recebimento dos R$ 12,9 mil em diárias, negou que tenha embolsado R$ 3,6 mil por três diárias. “Eu não reconheço, porque não existe. Este valor não existe, não tem diária de R$ 1.200,00. Eu vou consultar minha assessoria para saber o que houve, mas acredito que aconteceu algum erro”, reclamou o vereador.

O presidente da Câmara de Cajazeiras disse que reconhece todas as diárias de R$ 300,00. “Eu reconheço as diárias de R$ 300,00, fora isto, não”. Marcos Barros se defendeu dizendo que não tinha conhecimento do valor elevado para três diárias. “Se isto existisse, eu estaria assinando minha própria condenação”.

Já para os valores de R$ 600, ele disse que eram referentes a quatro diárias de funcionários da Câmara Municipal, cada uma a R$ 150,00. Embora o feito se repita por três e ele negue, a justificativa no Sagres é a seguinte:

“Valor que se empenha corresponde a quatro diárias para deslocar-se a cidade de João Pessoa, indo tratar de assuntos de interesse deste poder legislativo”. Marcos alegou que a justificativa saiu no seu nome “porque sou eu quem assino a liberação das diárias”.

Catão: disparidade é inadmissível

Para o presidente do TCE, esta disparidade de valores é “inadmissível”. “Como é que três diárias têm o valor de R$ 3,6 mil e depois quatro diárias tem o valor de R$ 600,00?”, indagou o presidente Fernando Catão. Segundo ele, há algo de errado que precisa ser justificado. O conselheiro informou que, sendo constatada a anomalia, será “dada à oportunidade a defesa ao vereador, antes que o caso seja encaminhado ao Ministério Público para que o órgão tome as devidas providências sobre o caso”.

Segundo Marcos Barros, a diária de um vereador em Cajazeiras é de R$ 300,00 para viagens dentro do Estado e de R$ 400,00 para outros Estados. Ele disse que três diárias são suficientes para resolver as questões de interesse do município em João Pessoa.  “A gente coloca três diárias, porque, no máximo, passamos três dias em João Pessoa para resolver os assuntos de nosso interesse”, contou o vereador. 

Marcos Barros disse também que viaja de ônibus, pelo menos, três vezes ao mês para João Pessoa e que sempre se hospeda em “hotéis populares como o Caiçara e em pousadas mais simples”. Com alimentação, o vereador afirmou que gasta cerca de R$ 150,00 por dia.

Na contabilidade dele, três dias na Capital do Estado custam em torno de R$ 920,00. “Eu gasto cerca de R$ 160,00 com as passagens de ônibus, R$ 450,00 com a alimentação e R$ 360,00 de hotel”, garantiu Barros.

No Conde, José Muniz assume regalia

“Se tiver no Sagres que recebi R$ 11,9 mil com diárias, é porque eu recebi, mas tudo comprovado”, afirmou o presidente da Câmara Municipal de Conde, vereador José Muniz de Lima (PSDC). Ele disse que a diária do presidente da Câmara é de R$ 500,00 para fora do Estado. Seguindo a risca o valor estabelecido, a maioria de suas viagens foi para Recife (PE) e Natal (RN) para participar de seminários e cursos destinados aos gestores públicos.

A maior diária recebida por José Muniz foi no valor de R$ 2,5 mil para participar do 47º Seminário de Prefeitos, Vice-Prefeitos, Vereadores, Secretários Municipais e Assessores no período de 27 de abril a 1º maio de 2011, na cidade de Natal. A menor foi de R$ 100,00.  “Importância referente a uma diária parcial para participar do Encontro Legislativo -Interlegis no dia 12 de agosto de 2011 na cidade de João Pessoa-, conforme comprovante em anexo”, diz a justificativa enviada ao Sagres.

No entanto, o vereador disse que quando vem a João Pessoa, dispensa à diária. “Pela proximidade das duas cidades, não há necessidade de solicitar o recurso”. Mas destacou: “Nós sempre encaminhamos os parlamentares para os cursos e congressos de qualificação que acontecem fora do Estado, pois acho muito importante e é por isto que sempre que posso, participo”.

Por outro lado, disse que o seu preparo como parlamentar vem dos 20 anos de vida pública. “Ano passado, eu participei de quatro a cinco eventos de qualificação, mas o que conta mesmo é o tempo de exercício de mandato”, declarou o vereador.
   
Viagem a Natal

Muniz disse que quando viaja para Natal gasta de R$ 600,00 a R$ 800,00 com hospedagem para cinco dias. Descontando o valor de R$ 800,00 dos R$ 2 mil recebidos pelo vereador, restariam R$ 1,2 mil. Questionado se não achava o valor alto para o período e pelo valor da hospedagem, José Muniz foi enfático: “E eu não como, não? Porque o hotel só oferece o café da manhã”.  E alegou que o saldo é utilizado em alimentação e transporte.

R$ 200 em Cacimbas

O presidente da Câmara Municipal de Cacimbas, Cícero Bernardo Cezar (PR), recebeu em dez meses R$ 10,89 mil em diárias. Do montante, R$ 10,09 mil foram para viagens à cidade de Patos, que fica a 51,1 quilômetros em um percurso que é feito em cerca de 40 minutos. O restante, R$ 800,00, segundo informações prestadas ao Sagres, foi utilizado para uma viagem a João Pessoa. 

Cícero Bernardo informou que a diária de um vereador em Cacimbas é de R$ 100,00 e a do presidente da Câmara R$ 200,00. Ele garantiu que passa, no máximo, dois dias fora da cidade e que sempre viaja na companhia de dois assessores, “devido ao perigo que estrada oferece, principalmente, à noite”. O vereador afirmou que o valor de R$ 1 mil é suficiente para arcar com as despesas de hospedagem, alimentação e transporte das três pessoas durante o período que passa fora da cidade.

Sendo a diária do presidente da Câmara R$ 200,00, ele deveria receber R$ 400,00 pelos dois dias, mas como afirmou que mais duas pessoas o acompanham, o valor quase triplicou. Para não ter problemas com o Tribunal de Contas do Estado, a justificativa é quase sempre a mesma e sem especificar o número de diárias: “Importância que se empenha para o pagamento de diárias ao vereador presidente durante viagens diversas à cidade de Patos para tratar de assuntos de interesse da administração da Câmara Municipal”.

De uma só vez ele, embolsou R$ 1,7 para ir à cidade de Patos. Nas informações prestadas ao Sagres, não constam para quantas diárias o valor se refere.  “Vou muito a Patos encontrar com a deputada Francisca Mota que tem uma forte ligação com a região e que sempre atende os nossos pleitos”, disse.

“Não é muito nem pouco”

Todos dos vereadores ouvidos pela reportagem não consideram que os valores recebidos em diárias sejam elevados. Para eles, o montante é justo para a responsabilidade que o cargo exige. “Não acho alto, porque é tudo comprovado e como presidente da Câmara eu tenho que viajar”, argumentou Marcos Barros, presidente da Câmara de Cajazeiras.

Para Cícero Bernardo Cezar, R$ 10,89 “não é muito, nem é pouco”. “É o necessário”, reforçou, para fazer diversas viagens ao município de Patos se reunir com a deputada Francisca Mota para tratar, segundo ele, de “reuniões que resultam em benefícios para a cidade”.

Da mesma opinião, comunga o presidente da Câmara Municipal do Conde, José Muniz de Lima que considerou pouco o número de diárias se comparado ao dias do ano. “O ano tem 365 dias e eu tive 23 diárias durante do ano inteiro. Eu não considero o valor alto e não vejo o valor, pois todos os gastos foram comprovados com alimentação hospedagem e transporte”, disse o vereador.



Correio da Paraíba

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