AS LEIS HUMANAS FRENTE À LEI DIVINA
Escrito por Luiz Guilherme Marques
Dedico este modesto
estudo a Yvonne do Amaral Pereira, pelas lições que deixou através dos seus 18
incomparáveis livros e exemplos de Fraternidade.
André Luiz, em Evolução
em Dois Mundos, psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira,
FEB, 1999, p. 80, faz um esclarecimento interessante sobre o nascimento do Direito
dos encarnados:
Em razão do apego aos rebentos da
própria carne, institui a propriedade da faixa de solo em que se lhe encrava a
moradia e, atendendo a essa mesma raiz de afetividade, traça a si próprio
determinadas regras de conduta, para que não imponha aos semelhantes ofensas e
prejuízos que não deseja receber. Acontece, assim, o inesperado. O homem
selvático que não pretende abandonar os apetites e prazeres da experiência
animal, fabrica para si mesmo os freios que lhe controlarão a liberdade, a fim
de que se lhe enobreça o caráter iniciante. Estabelecendo a posse tirânica em
tudo o que julga seu, desiste de aproveitar o que pertence ao vizinho, sob pena
de expor-se a penalidades cruéis. Nasce, desse modo, para ele a noção do
direito sobre o alicerce das obrigações respeitadas.
Dessa época recuada até hoje quanto evoluiu o Direito,
horizontalmente!...
Entretanto, muito mais evoluirá a partir do momento em
que noções científicas (sinônimo: espirituais, pois a Ciência trará a certeza
das realidades espirituais) mais avançadas chegarem ao conhecimento da maioria
das pessoas.
O Direito, que começou singelo, foi-se aperfeiçoando, a
ponto de entender-se conveniente setorizá-lo para melhor estudá-lo e aplicá-lo.
A partir de certo estágio foi dividido em Direito Público e Direito Privado e
esses dois ramos subdivididos em Direito Civil, Comercial, Penal,
Administrativo etc.
Todavia, quando já se alcançou talvez o máximo da análise, com as especializações, pode-se agora partir para a síntese, as generalizações.
Deve ser a fase que iremos viver, segundo imaginamos.
A horizontalidade jurídica não conseguiu trazer as
soluções definitivas para as sociedades humanas, que se debatem com o egoísmo,
o orgulho e a vaidade das criaturas, lutando para sobrepujarem umas às outras,
revivendo a pessimista luta de classes
de Karl Marx e as lutas individuais de vários tipos, apregoadas por outros
filósofos horizontalistas.
Como ramo mais primitivo do Direito, pela sua própria
característica, reconhecida sua insuficiência, o Direito Penal (que pretendia
punir e ressocializar os indivíduos cuja conduta seja tida como assaz nociva
para o meio social), lançados os questionamentos de Cesare Lombroso (do
criminoso nato), de Marc Ancel (da Nova Defesa Social), de Anossow (da abolição
do princípio da reserva legal) e outros, verifica-se que, cedo ou tarde, tende
a restringir sua área de aplicação e, no que ficar ainda existindo,
adequar-se-á mais à finalidade da socialização
do indivíduo (não ressocialização,
pois esse indivíduo ainda está sendo socializado)
do que à da sua punição.
Para trazer luz sobre o cipoal dos estudos do Direito
Penal, vale a pena citar a respeito o que André Luiz menciona em Missionários da Luz, psicografado por
Francisco Cândido Xavier, FEB, 2000, p. 164:
A justiça se cumpre sempre, mas, logo
que se disponha o Espírito à precisa transformação no Senhor, atenua-se o
rigorismo no processo redentor.
Falta ainda ao Direito Penal adentrar o espírito humano,
a intimidade do infrator, para poder melhor socializá-lo, ao invés de
simplesmente puni-lo.
Quanto aos Direitos Civil, Comercial e Trabalhista
procuram regular as relações interpessoais, aplicando penalizações, regra geral
pecuniárias, aos infratores das suas normas, mas não cogitam essencialmente da
socialização dos indivíduos, apesar de reconhecer-se que os infratores dessas
regras muitas vezes são mais danosos ao meio social, pela sua sutileza e
refinamento.
As regras desses três ramos do Direito, abundantes e
minuciosas, geram a falsa impressão de que tudo está sob controle na
sociedade...
Como contribuição para o Direito Civil, especialmente no
que diz respeito ao casamento e ao divórcio, citemos André Luiz (Evolução em Dois Mundos, pp. 180-181):
Quanto ao divórcio, segundo os nossos
conhecimentos no Plano Espiritual, somos de parecer que não deva ser facilitado
ou estimulado entre os homens, porque não existem na Terra uniões conjugais,
legalizadas ou não, sem vínculos graves no princípio da responsabilidade
assumida em comum. Mal saídos do regime poligâmico, os homens e as mulheres
sofrem-lhe ainda as sugestões animalizantes e, por isso mesmo, nas primeiras
dificuldades da tarefa a que foram chamados, costumam desertar dos postos de
serviço em que a vida os situa, alegando imaginárias incompatibilidades e
supostos embaraços, quase sempre simplesmente atribuíveis ao desregrado
narcisismo de que são portadores. E com isso exercem viciosa tirania sobre o
sistema psíquico do companheiro ou da companheira mutilados ou doentes,
necessitados ou ignorantes, após explorar-lhes o mundo emotivo, quando não se
internam pelas aventuras do homicídio ou do suicídio, espetaculares, com a fuga
voluntária de obrigações preciosas. É imperioso, assim, que a sociedade humana
estabeleça regulamentos severos a benefício dos nossos irmãos contumazes na
infidelidade aos compromissos assumidos consigo próprio, a benefício deles,
para que se não agreguem a maior desgoverno, e a benefício de si mesma, a fim
de que não regresse à promiscuidade aviltante das tabas obscuras, em que o
princípio e a dignidade da família ainda são plenamente desconhecidos.
Entretanto, é imprescindível que o sentimento de humanidade interfira nos casos
especiais, em que o divórcio é o mal menor que possa surgir entre os grandes
males pendentes sobre a fronte do casal, sabendo-se, porém, que os devedores de
hoje voltarão amanhã ao acerto das próprias contas.
Emmanuel, em O
Consolador, psicografado por Francisco Cândido Xavier, FEB, 1999, p. 46,
comenta sobre a pretendida igualdade
absoluta das pessoas:
A concepção igualitária absoluta é um
erro grave dos sociólogos, em qualquer departamento da vida. A tirania política
poderá tentar uma imposição nesse sentido, mas não passará das espetaculosas
uniformizações simbólicas para efeitos exteriores, porquanto o verdadeiro valor
de um homem está no seu íntimo, onde cada espírito tem sua posição definida
pelo próprio esforço.
Sob o manto da legalidade, estagna o ser humano no
estágio de mero defensor dos seus
direitos fixado na mentalidade dos seres humanos da época do nascimento do Direito de que fala André
Luiz, apenas que utilizando-se da força da Justiça
organizada e não da vingança privada,
pois, na verdade, o Direito não transformou a essência do ser humano.
Exemplos do primarismo do Direito (por desconhecimento
das realidades espirituais) são as legislações que admitem a pena de morte e a
legalização do aborto. (A respeito do aborto leia-se O Clamor da Vida, Reflexões
contra o Aborto Intencional, de Marlene Nobre, FE, 2000)
Quanto
ao Direito Administrativo, cuida das atividades do Estado e da responsabilidade
dos administradores em gerir a coisa pública, necessitando ainda de muito
aperfeiçoamento para bem atender à sua finalidade.
Nas nossas leituras espíritas não encontramos nenhuma informação
explícita sobre a seleção de servidores,
tema abordado pelo Direito Administrativo terreno. Não nos parece existir no
mundo espiritual nenhum concurso público
de ingresso e, muito menos, eleição.
O que se presume é que os servidores menos graduados sejam admitidos pelos mais
graduados até chegar-se ao topo da hierarquia, representada por Jesus-Cristo, o
Sublime Governador da Terra. O critério de escolha parece ser o do merecimento para o exercício de cada
função, representado pelos valores intelectuais e de espírito fraternal, mas
sobretudo o segundo ítem.
A esse respeito Emmanuel (O Consolador, p. 52) diz:
A responsabilidade de um cargo público,
pelas suas características morais, é sempre mais importante que a concedida por
Deus sobre um patrimônio material. Daí a verdade que, na vida espiritual, o
depositário do bem público responderá sempre pelas ordens expedidas pela sua
autoridade, nas tarefas da Terra.
Nosso Direito Eleitoral, calcado todo ele na seleção de
servidores através do voto, não encontra similar no mundo espiritual, pelo que
deduzimos das obras que pudemos consultar.
Dessa maneira, pode-se ter no Direito humano as
caraterísticas de minucioso, imperfeito, inseguro, com a multiplicação de leis
e Códigos, muito distante da simplicidade, perfeição e segurança da Lei Divina.
Quanto à Lei Divina, vejamos o porquê da sua
simplicidade, perfeição e segurança.
Quanto à sua simplicidade pode-se dizer o seguinte:
apresentados por Moisés os Dez Mandamentos (Decálogo), que, na expressão feliz
de André Luiz (Evolução em Dois Mundos,
p. 155), brilham ainda hoje por alicerce
de luz na edificação do direito, resumem-se em duas regras simples e
objetivas: amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo.
Sobre a perfeição tem-se a dizer que, sendo obra de Deus,
é perfeita.
Quanto à sua segurança, sabe-se que se aplica a todas as
criaturas indistintamente e está inscrita exatamente na consciência de cada
uma, conforme afirma a resposta nº 621 de O
Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
Todos temos consciência de como devemos agir, para tanto
sendo suficiente a consulta da própria consciência. A Lei de Deus não gera
dúvida com seus dois artigos, que se aplicam às múltiplas situações da vida de
cada um de nós.
Analisando esses dois artigos pergunta-se:
Por que amar a Deus? - Por reconhecermos sermos obra Sua
e para agradecer-lhe tanto quanto somos gratos aos nossos pais carnais.
Por que amar o próximo como a nós mesmos? - Para fazermos
evoluir a realidade humana já temporalmente muito distante daquele começo em
que passamos a respeitar os outros sob
pena de expor-se a penalidades cruéis (como diz André Luiz, acima).
Quanto a quem seja o próximo
vale a pena uma observação.
André Luiz, no mencionado Evolução em Dois Mundos, traz um dado importante para nos aproximar
das demais criaturas de Deus:
Com a Supervisão Celeste, o princípio
inteligente gastou, desde o vírus e as bactérias das primeiras horas do
protoplasma na Terra, mais ou menos quinze milhões de séculos, a fim de que
pudesse, como ser pensante, embora em fase embrionária da razão, lançar as suas
primeiras emissões de pensamento contínuo para os Espaços Cósmicos. (p. 53)
Sabemos que todos passamos pela carreira evolutiva,
subindo-a degrau por degrau, desde os primeiros estágios nos reinos inferiores
(até que ponto serão válidas essas classificações?) até chegarmos ao nível
hominal. Como diz André Luiz, em um bilhão e meio de anos, mais ou menos, uma
simples bactéria ou vírus evoluiu gradativamente até chegar às primeiras
manifestações humanas.
Assim, vê-se que, além do bom relacionamento com os
demais seres humanos, devemos nos empenhar pela Ecologia, essa grande Ciência
da humanidade do futuro, pois entre os animais, vegetais e outros seres
inferiores estão também os nossos próximos,
que carecem da nossa proteção indefesos que são frente à nossa inteligência, se
quisermos lhes fazer mal ou se os deixarmos entregues à sua própria sorte.
Não podemos deixar de dizer que a Themis (deusa pagã que
tanto prezamos) é o menor dos três valores (Justiça, Amor e Verdade) segundo se
depreende das palavras de Emmanuel (O
Consolador, p. 162):
Até agora, a humanidade da era cristã
recebeu a grande Revelação em três aspectos essenciais: Moisés trouxe a missão
da Justiça; o Evangelho, a revelação insuperável do Amor, e o espiritismo, em
sua feição de Cristianismo redivivo, traz, por sua vez, a sublime tarefa da
Verdade. No centro das três revelações encontra-se Jesus-Cristo, como o
fundamento de toda a sabedoria. É que, com o Amor, a Lei manifestou-se na Terra
no seu esplendor máximo; a Justiça e a Verdade nada mais são do que os
instrumentos divinos de sua exteriorização, com aquele Cordeiro de Deus, alma
da redenção de toda a Humanidade. A Justiça, portanto, lhe aplainou os caminhos,
e a Verdade, conseguintemente, esclarece os seus divinos ensinamentos.
As Leis humanas devem ser confrontadas com o que pudermos
conhecer da Lei Divina para serem mais justas e contribuam para o
aperfeiçoamento e a felicidade dos seres humanos encarnados.
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