A gestão de Gilberto Kassab volta a dar claro recado aos
trabalhadores de que os tempos de crise significarão novas penalizações, sem
distinções
Na primeira semana de setembro, São Paulo voltou a ser
surpreendida por uma greve que não costuma frequentar a agenda política e
administrativa da cidade. Na verdade, a paralisação envolvia diversos setores
da administração municipal, das secretarias de habitação, saúde, verde, gestão
hospitalar, entre outras. No entanto, foi notabilizada pelos trabalhadores do
serviço funerário, que pela segunda vez no ano cruzaram os braços por melhores
condições de salário e trabalho.
Tal como diversas categorias do serviço público, os
funerários vivem situação completamente precarizada, porém, em níveis
extremamente depauperados, ganhando salários abaixo do mínimo oficial.
Mesmo com vencimentos de apenas R$ 440,00, a prefeitura não
hesitou em replicar negativamente ao movimento, fechando-se a negociações e
obtendo uma liminar no TJ de São Paulo que obrigou a suspensão da greve. Além
disso, como retaliação, anunciou a contratação de 100 novos funcionários para
realizar os serviços paralisados.
“Eles combateram a greve dizendo que deram 15% de reajuste,
mas em momento algum isso ocorreu. Além do mais, a greve não era somente do
serviço funerário. Era da administração, saúde, secretaria do verde etc. Tinha
mobilização de todos esses setores pela falta de reajuste geral. Também
anunciaram a contratação emergencial de 100 sepultadores e 35 motoristas”,
confirmou ao Correio da Cidadania Vlamir Lima, do Sindsep (Sindicato dos
Trabalhadores da Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo).
Com vencimentos tão irrisórios e uma rejeição sumária aos
pedidos dos grevistas, a gestão de Gilberto Kassab volta a dar claro recado aos
trabalhadores de que os tempos de crise significarão novas penalizações, sem
distinções. Assim como nas greves da saúde e educação, áreas colapsadas nos
anos demotucanos, o governo direitista voltou a incorrer num comportamento
intransigente, chegando ao ponto de apelar à justiça para que esta alienasse um
dos direitos mais básicos da classe trabalhadora, quando estava claro que a
prefeitura não havia sequer recebido os grevistas para negociar.
“O movimento só chegou ao estado de paralisação porque a
prefeitura fechou todos os canais de negociação. A greve foi suspensa, mas não
por causa da pressão da prefeitura, e sim porque ela entrou com uma liminar,
que foi concedida pelo TJ, ordenando multa diária de 70 mil reais por dia ao
sindicato caso não houvesse retorno ao trabalho”.
A denúncia de Vlamir é seguida de um lembrete. “No primeiro
semestre todo mundo viu como a prefeitura conseguiu aprovar rapidamente, em 15
dias, o reajuste salarial do prefeito, secretários, vice, entre outros, em
alguns casos em até mais de 100%...”.
Porém, é evidente que a prefeitura alega ter negociado com
os trabalhadores, atribuindo a estes uma conduta abusiva ao deflagrar a greve,
o que justificaria inclusive a demissão de alguns deles, como ficou implícito
após o anúncio de novas contratações – aliás, também parte das exigências.
“Além do reajuste, pedimos reposição de perdas salariais de
maio de 2004 a maio de 2010, o que significa 39,79%. E olha que mais pra trás
também podíamos reivindicar, mas ficaria inviável diante da perspectiva de
atendimento do governo. Some-se a melhoria das condições de trabalho, começando
pela contratação de mais funcionários. Desde 2009, o serviço precisa de um
concurso de sepultadores, que já foi autorizado, além de outro para motoristas,
cerca de 50. Na verdade, o prefeito só fechou de novo essa posição (de contratar)
por causa da greve”, enumera.
Dessa forma, verifica-se o abandono completo pelo poder
público de mais uma de suas obrigações, sendo que tal serviço, considerado
essencial, tem alto e evidente grau de insalubridade, de modo a demandar a
devida estrutura material para um manuseio seguro dos corpos e equipamentos
individuais adequados.
“Se substituir os grevistas e contratar pelo concurso
anunciado, caso consigam, os novos terão dificuldades de trabalhar, porque o
serviço é penoso, insalubre, para o sepultador; ele abre covas, valas, tem que
fazer isolamento do corpo, e há muita deficiência. Tem muito cemitério que faz
enterro na terra, não por túmulo, e no primeiro enterro o uniforme dos coveiros
já está... Não tem substituição diária de uniformes, às vezes é preciso levar a
luva para vários dias, pois não haverá quantidade suficiente pra ficar
trocando. Sem falar do risco no serviço, de abrir um caixão, com corpo em
decomposição, onde se corre riscos sérios de saúde”, alerta.
Avanço tímido
Ocupado em amealhar - por todos os meios, sublinhe-se –
assinaturas para a criação de seu partido apolítico, Kassab seguiu sem aceitar
contato com os trabalhadores. E somente após intervenção do presidente da CUT,
Adi Gomes, e do senador petista Eduardo Suplicy o prefeito acolheu ofício com a
pauta da categoria. Entre elas, a retirada da Portaria 960, que permite a
demissão dos líderes da greve. O argumento expõe perfeitamente o cinismo e
miopia do aventureiro de “esquerda, centro e direita”: “A sociedade exigiu”.
Entretanto, apesar de seu notório desprezo pelas camadas
baixas de nossa sociedade - ignoradas, removidas, expropriadas, violentadas
fisicamente em larga escala em sua gestão -, sua versão falsificada do
julgamento público a respeito da greve se explica. Mais uma vez, a imprensa
tradicional voltou a destacar somente os “prejuízos” causados à cidade,
apelando a dramas pessoais e sem espaço para o lado grevista, esmagado por
matérias que somente induziam o leitor a se antipatizar com os funerários.
Mas é fácil notar, diante da indiscutível situação de
penúria da categoria, que apenas um lado das adversidades foi exposto. “Na
verdade, a prefeitura vai ter dificuldades pra contratar essa gente, já que o
salário inicial é R$ 440,39, abaixo do mínimo, em virtude de uma política do
governo de negar reajuste há 18 anos; 18 anos sem reajuste! Só aquela coisa de
0,01%. Por isso o movimento chegou a tal ponto, por não aguentar mais a
situação”, reitera Vlamir.
No momento, as negociações seguem morosas. A prefeitura fez
uma contraproposta considerada insuficiente, que desprezou toda a pauta do
serviço funerário e ofereceu um esquálido aumento em suas gratificações, isto
é, complementares aos salários, mantendo a intenção de abrir concurso e
irredutível em relação à imoral Portaria. Em repúdio a tal medida, o sindicato
promove abaixo-assinado, já endossado por 17 vereadores.
“Se a prefeitura não abrir uma perspectiva de reajuste, a
greve será retomada. A prefeitura vai assumir essa responsabilidade porque
essas condições que debatemos aqui são de responsabilidade total dela. Quem
estiver a fim de fazer esse serviço por 440 reais... Acho mais fácil a
prefeitura dar um reajuste”, finaliza Vlamir Lima.
A paz dos cemitérios
O atual governante da cidade de São Paulo mantém, na
verdade, firme coerência com um modelo econômico perverso que predomina em
nosso país. Privilegiam-se os
financiadores de campanha, com o loteamento da cidade entre projetos
empresariais ditados pelos interesses da especulação imobiliária. Espaços e
serviços públicos são progressivamente privatizados e, para pagar a fatura,
transfere-se a conta aos trabalhadores, cada vez mais pauperizados, explorados
e cerceados em seus direitos. Em outra ponta, está o judiciário
predominantemente conservador, sistemático em vedar greves. Fechando o círculo,
a mídia difama o trabalhador e clama por mais mercado, sublinhando que seguimos
imunes ao caos mundial.
Deve ser assim que se caminha para a paz de cemitério.
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