Reproduzo texto da companheira @ivonepita originalmente
publicado no sítio PoliticAtiva
Em caso de homofobia, culpe a vítima
Os gays provocam muito. Seja lésbica, viado, travesti ou
transexual, a verdade é uma só: gays provocam demais. Riem alto demais, dançam
demais, gostam de música demais, lançam moda demais, querem afeto demais, amar
demais, trepar demais, serem felizes demais! Eles querem até os mesmos direitos
que heterossexuais! Onde já se viu tamanha afronta!
Este gays querem ficar por aí, andando, amando e
constituindo família livremente e não entendem como isso é provocador? Será que
não entendem como isso é um ataque frontal à verdade absoluta da
heterossexualidade como única existência possível e saudável? Será que não percebem
que assim ficam forçando a barra para saírem da marginalidade? Já não basta
poderem trabalhar, estudar e andar pela rua, ainda querem se envolver em
política?
Ainda querem demonstrações públicas de afeto? Querem ser
considerados como outra pessoa qualquer? Ora, todos sabem que assim, não é
possível, assim, não pode ser.
Se uma pessoa mata um viado, certamente o viado tem sua
parcela de culpa. Deve ter provocado, deve ter cantado o sujeito decente que o
matou, deve ter lhe lançado um olhar abusado. Alguma coisa este viado deve ter
feito. Com homens heterossexuais é diferente. Nenhuma mulher vai matar um cara
somente por ele ter dado em cima dela, passado a mão pela cintura, puxado o
cabelo, passado uma cantada daquelas ou ter lhe sussurado umas sacanagens
gostosas. Claro que não, pois neste caso é normal. A mulher que agredir o homem
é louca, claro, merece cadeia. O que tem levar só uma cantadinha ou uma
agarradinha? Poxa, tem que ficar lisonjeada... Com viado, não, viado tem que
saber o seu lugar, tem que ficar quieto. Que negócio é esse de me expor deste
jeito? E se pensarem que o camarada que levou a cantada é viado também? Mulher
não, se levar uma boa passada de braço pela cintura e lhe tacarmos um beijo
roubado, poxa, é só um beijinho. Não acho que seja tratá-la como objeto, bom,
só se for objeto do desejo e aí é uma coisa boa.
O cara tem 18 anos, vai para uma boate, beija na boca e vai
logo para cama com um desconhecido, morre com uma facada e todos ficam com pena
dele? Mas quem mandou levar o cara para casa? Coisa de viado burro. Com 50
anos? Aí então é coisa de viado carente. Sapatão? Aposto que estava na seca, aí
achou outro sapatão doido que lhe enfiou uma faca. O viado que morreu era
pobre? Então estava dando um golpe. Era rico? Então estava com um garoto de
programa.
Parada Gay em Belgrado, Sérvia |
Algum risco absurdo e desnecessário este viado correu sem
necessidade alguma. Ah, se pegou na rua, então, poxa, quem mandou estar se
prostituindo? Agora morreu de um jeito violento. Talvez se não se prostituisse,
talvez se não levasse ninguém para sua casa, se não fosse para um motel, se não
namorasse, se não trepasse, se não beijasse na boca, se não insistisse em ser
feliz, se não fosse gay! Isso é o que dá esta necessidade de ficarem vivendo
livremente e fazendo o que bem entendem como se fossem pessoas normais.
E quando é com “aquela mulher de saia curta e top que estava
andando naquela rua, naquela hora" e foi estuprada? O que dizem algumas
pessoas, senão que também a vítima não deveria estar vestida daquele jeito, nem
naquele lugar, muito menos naquela hora? E eu fico pensando que quando é com
um@ LGBT, ou com uma mulher, por exemplo, a vítima se não recebe toda a culpa,
recebe parte dela. E quando é com um homem heterossexual, a culpa é somente do
algoz. E fico me perguntando por que razão isso acontece. E as questões não cessam,
pois o que leva algumas pessoas da própria comunidade LGBT ou algumas mulheres
a insistirem em procurar e até defender a culpa da vítima? Por que razão coisas
como irresponsabilidade, inconseqüência, falta de amor-próprio, carência e
descontrole são sempre atribuídos a quem sofreu o crime e não a quem cometeu?
Não estamos todos tentando apenas ser felizes? Não estamos todos apenas
tentando viver da melhor maneira possível?
Pense bem, quando você fica sabendo de um caso de
assassinato ou outra forma de violência, envolvendo uma mulher ou um@ LGBT,
como você olha para esta história? O que você deduz e a partir do que? Você tem
informações suficientes sobre a vida dos envolvidos? Sobre o envolvimento de ambos?
E ainda que você acredite ter boas informações sobre tudo isso, estará certo do
que realmente houve? Mais do que isso: qual é a sua interpretação dos fatos?
Sob que prisma você analisa o ocorrido? Será que não há resquícios dos
discursos homofóbicos a que somos submetidos todos os dias? Será que não se
absorve parte da postura de nossos próprios algozes? E quando é um caso de
violência entre heterossexuais, qual é a reação da imprensa, dos colunistas e
de nós mesmos?
Pense sobre isso, pois não se trata apenas de mim, de você e
de nossas ações, mas do discurso inferiorizante que nos infligem a todo o
momento e que não podemos de forma alguma reproduzir, pois de nada adianta
lutarmos e irmos às ruas por orgulho, respeito e dignidade se carregarmos nossos
algozes dentro de nós. Temos que romper estas amarras!
Nenhum comentário:
Postar um comentário