terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cristina dá show, consolida a centro-esquerda sul-americana e deixa a Globo furiosa


A oposição feroz dos conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos magnatas do campo, as chantagens dos barões da indústria, a má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio de Cristina



Nem mesmo os mais desatentos compreendem qual é a vantagem de contestar uma realidade óbvia. Enquanto Cristina  fazia história, vencia todos os seus adversários de forma arrebatadora, consolidando a centro-esquerda na América do Sul e com intenso apoio popular, a Rede Globo destacava em reportagens e nos comentários dos seus analistas políticos que o governo de Kirchner era anti-democrático, em mais uma clara demonstração de desprezo à liberdade de escolha de um povo; de cidadãos livres e pensantes. Abaixo, Eric Nepomuceno traz um balanço significativo do que representa a reeleição de Cristina para o povo argentino, para o Brasil e para o fortalecimento de um modelo político progressista na América Latina. 


Uma Argentina sem surpresas - e sem oposição

Não houve nenhuma surpresa, e a grande curiosidade, até tarde da noite do domingo, 23 de outubro, era saber qual a porcentagem de votos que daria a Cristina Fernández de Kirchner uma das mais estrondosas vitórias da história da Argentina. Havia, é verdade, outra curiosidade: quanto por cento do eleitorado faria a glória do médico Hermes Binner, que até maio ou junho mal roçava a casa dos 3% nas pesquisas e se consolidou como segundo mais votado, deixando para trás, desnorteadas, as figuras um tanto anêmicas de Ricardo Alfonsín, da União Cívica Radical, e Eduardo Duhalde, da dissidência direitista do peronismo?
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As primeiras projeções davam a ela 53% dos votos. É mais do que o falecido presidente Raúl Alfonsín teve em 1983, nas primeiras eleições da Argentina depois de sete anos da mais bárbara de suas muitas ditaduras militares (51,7%). Mais do que o dentista Hector Cámpora, designado por Perón, teve em março de 1973, pondo fim a outra ditadura militar (49,53%). É quase a mesma coisa que Juan Domingo Perón teve em 1946 (56%), dando início a uma mudança radical na Argentina e criando um movimento político que esteve presente, de uma forma ou de outra, em tudo que aconteceu no país até hoje. Perde longe, é verdade, para a vitória do mesmo Perón em setembro de 1973, quando levou 60% dos votos e massacrou o líder da União Cívica Radical, Ricardo Balbín, que mal e mal chegou a 24%. Conseguiu, porém, a mesma e impactante diferença (36 pontos) sobre o segundo colocado.

Passado o vendaval, o que será da oposição tradicional, que, nocauteada pelas urnas, sai do embate completamente sem rumo?

Tanto Ricardo Alfonsín como os dissidentes da direita peronista, o ex-presidente Eduardo Duhalde e Alberto Rodríguez Saá, enterraram definitivamente suas pálidas lideranças. Nenhum deles foi, em momento algum, alternativa viável à permanência de Cristina Kirchner na Casa Rosada. A grande figura da direita argentina, o atual intendente da cidade de Buenos Aires, Maurício Macri, preferiu não correr riscos. Ladino, não deu apoio ostensivo a nenhum dos candidatos da direita: deixou que naufragassem estrepitosamente na mais gelada solidão. Está de olho nas eleições presidenciais de 2015. Até lá, o kirchnerismo tratará de construir um novo herdeiro. Se mantiver o rumo trilhado até agora, não parece tão difícil assim.

O fato de Cristina Kirchner e Hermes Binner terem somado 70% dos votos argentinos é um sinal bastante claro da consolidação da centro-esquerda no cenário sul-americano. Uma espécie de rotunda e rigorosa pá de cal nos tempos do neoliberalismo desenfreado que levou a Argentina ao precipício e quase afundou de vez outros países do continente. A coincidência de governos de esquerda e centro-esquerda no Uruguai, no Peru, na Argentina, no Paraguai e no Brasil, somada aos governos de uma esquerda mais dura no Equador, na Bolívia e na Venezuela, isola ainda mais os remanescentes da direita, encastelados na Colômbia e no Chile.
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Em tempos de feia crise global, não deixa de ser um alento saber que há uma vereda compartilhada por estas comarcas com tantos séculos de sacrifício nas costas. O avassalador triunfo de Cristina Kirchner reafirma essa tendência. Pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo, há uma nítida maioria da esquerda e da centro-esquerda governando os países sul-americanos.

Para quem, enfim, ainda se pergunta pelas razões da vitória de Cristina Kirchner, um pouco de números talvez ajude a encontrar a resposta. Para começo de conversa, a economia cresce ao ritmo de mais de 6% ao ano. O desemprego é baixo, a maior parte dos trabalhadores chegou a acordos que asseguraram ganhos salariais reais, os programas sociais do governo atendem a milhares de famílias. Um dos muitos subsídios atende a três milhões e meio de menores de 18 anos de idade, com a única condição de que freqüentem a escola e façam as vacinações obrigatórias. Em quatro anos – entre 2007 e 2010 – a pobreza baixou de 26% a 21,5% da população.

A oposição feroz dos grandes conglomerados dos meios de comunicação, a resistência desrespeitosa dos grandes magnatas do campo, as chantagens dos grandes barões da indústria, a virulenta má vontade das classes mais favorecidas, tudo isso somado não foi capaz de abalar o prestígio da presidente. Ela conquistou apoio de amplas faixas do eleitorado mais jovem, abriu espaço junto aos profissionais liberais, recebeu o voto massivo dos pobres.


É com essa força que agora se lança a um segundo mandato que certamente enfrentará mais dificuldades que o primeiro. A crise global não cede terreno, as economias periféricas correm risco de contaminação, ajustes duros terão de ser feito na política econômica do país. O amparo para esses novos tempos é uma formidável avalanche de votos. Essa a força que a moverá.

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