Mauro Santayana
No Carta Maior
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Ao que parece, a Terra cobra, em sangue, o petróleo que é
retirado de suas entranhas. Mas tem cobrado mal: não são os que consomem o óleo
alucinadamente os que pagam a dívida para com o planeta, mas sim os que tiveram
a maldição de o ter em abundância, como os paises árabes e muçulmanos. Todas as
teorias – a defesa dos direitos humanos, da democracia, da civilização
ocidental, e, até mesmo, do cristianismo – são ociosas para explicar a
sangueira dos tempos modernos. No caso do Oriente Médio, a cobiça pelo petróleo,
desde o início do século passado, tem sido a causa de todos os males.
As imagens divulgadas ontem, da prisão, da tortura e da
morte do coronel Kadafi são semelhantes às da prisão, da farsa do julgamento, e
da execução de Saddam Hussein. Da execução de Osama bin Laden ainda não
conhecemos todas as imagens, mas é provável que um dia sejam divulgadas.
A biografia desses três homens é semelhante. Todos eles
tiveram, em um tempo ou outro, as melhores relações com os países ocidentais,
democráticos e cristãos. Em livro que será publicado nos próximos dias, a Sra.
Condoleeza Rice confessou um certo fascínio por Kadafi, que a ela se referia
como “minha princesa africana”. Hillary Clinton reagiu com interjeição de
alegre surpresa, ao ver as imagens do trucidamento do coronel. Terça-feira, em
Trípoli, ela disse claramente que Kadafi devia ser preso ou morto,
imediatamente.
Osama bin Laden, como é sabido, foi sócio de Bush pai em
negócios de petróleo. No Afeganistão se uniu à CIA e ao Pentágono, no trabalho
político junto aos combatentes anti-soviéticos. Essas ligações devem ter
influído no ódio de pai e filho ao combatente muçulmano.
Nessa cruzada disfarçada de conflito de civilizações, as
mentiras foram as mais importantes armas dos Estados Unidos. Suspeita-se que
todas elas decorram de uma mentira ainda maior: a de que o ataque às Torres
Gêmeas de Nova Iorque tenha sido uma operação determinada por bin Laden. Que
Saddam Hussein nada tinha a ver com isso, é hoje fora de dúvida.
Para justificar a invasão ao Iraque, os Estados Unidos
apresentaram “provas” forjadas, como fotografias de caminhões e de galpões,
como sendo de instalações nucleares. Afirmaram ao mundo, por Collin Powell e
outros, que Saddam, além de desenvolver seu arsenal atômico, dispunha de outras
armas de destruição em massa, como produtos químicos letais. O embaixador
brasileiro José Maurício Bustani, então diretor da Organização das Nações
Unidas para a Proibição de Armas Químicas, e conhecia a realidade iraquiana,
sabia que se tratava de uma mentira, e tentava obter a adesão de Saddam ao
tratado internacional contra as armas químicas – o que desmentiria as acusações
americanas - foi destituído de seu cargo pelas pressões do governo Bush. Hoje,
é o embaixador do Brasil em Paris.
Kadafi |
A terceira peça do tabuleiro, a ser eliminada, foi o
governante líbio. Ele fora declarado “limpo” pelos governos ocidentais, e
privava da intimidade dos líderes norte-americanos e europeus. Caiu na
esparrela de acreditar nisso, e enfrentou, ao mesmo tempo, os que o consideravam
um renegado e os sedentos de seu petróleo e, por isso mesmo, sedentos de
sangue.
Esses três casos são uma forte advertência aos países árabes
que têm sido vassalos fiéis de Washington. Os príncipes da Arábia Saudita que
se cuidem. O Paquistão, ao que parece, já está com suas barbas no molho.
E as mentiras continuam. Muhamad Jibril, que é o primeiro
ministro interino e terá que vencer facções que lhe são contrárias, mentiu
descaradamente, ao afirmar que Kadafi fora morto em “fogo cruzado” dos rebeldes
com as tropas leais ao dirigente líbio. As imagens, divulgadas no mundo
inteiro, mostram Kadafi ainda vivo, caminhando, levantando o braço, até ser
derrubado a socos e pontapés, para ser, finalmente, assassinado.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil,
diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi
redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais
brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista
político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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