'O padrão daqui é cabelo liso'. disse a patroa.
A estagiária Ester Elisa da Silva Cesário acusa seus
superiores de perseguição e racismo. Conforme Boletim de Ocorrência registrado
no dia 24 de novembro, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância
(Decradi) de São Paulo, ela teria sido forçada a alisar o cabelo para manter a
"boa aparência". A diretora do Colégio Internacional Anhembi Morumbi
ainda teria prometido comprar camisas mais cumpridas para que a funcionária
escondesse os quadris.
Ester conta que foi contratada no dia 1º de novembro de
2011, para atuar no setor de marketing e monitorar visitas de pais interessados
em matricular seus filhos no colégio, localizado no bairro do Brooklin, na
cidade de São Paulo. A estagiária afirma ter sido convocada para uma conversa
na sala da diretora, identificada como professora Dea de Oliveira. Nos dias
anteriores, sempre alguém mandava recado para que prendesse o cabelo e evitasse
circular pelos corredores.
"Ela disse: 'como você pode representar o colégio com
esse cabelo crespo? O padrão daqui é cabelo liso'. Então, ela começou a falar
que o cabelo dela era ruim, igual o meu, que era armado, igual o meu, e ela
teve que alisar para manter o padrão da escola."
Além das advertências, Ester afirma ter sofrido ameaças
depois de revelar o conteúdo da conversa aos demais funcionários do colégio.
Eles teriam demonstrado solidariedade ao perceber que a estagiaria estava em
prantos no banheiro.
"Depois disso, eu me vesti para ir embora e, quando
estava saindo, ela me parou na porta e disse: 'cuidado com o que você fala por
aí porque eu tenho vinte anos aqui no colégio e você está começando agora. A
vida é muito difícil, você ainda vai ouvir muitas coisas ruins e vai ter que
aguentar'."
Colégio se defende
Após contato da reportagem, um funcionário indicado pela
Direção do Anhembi Morumbi informou que a instituição não recebeu nenhuma
notificação sobre o registro do Boletim de Ocorrência. Ele negou a existência
de preconceito e se limitou a dizer que "o colégio zela pela sua imagem e,
ao pregar a 'boa aparência', se refere ao uso de uniformes e cabelo
preso".
A advogada trabalhista Carmen Dora de Freitas Ferreira, que
ministra cursos no Geledés – Instituto da Mulher Negra – assegura que a
expressão "boa aparência" é usada frequentemente para disfarçar
preconceitos.
"Não está escrito isso, mas quando eles dizem 'boa
aparência', automaticamente estão excluindo negros, afrodescendentes e
indígenas. O padrão é mulher loira, alta, magra, olhos claros. É isso que
querem dizer com 'boa aparência'. E excluir do mercado de trabalho por esse
requisito é muito doloroso, afronta a Lei, afronta a Constituição e afronta os
direitos humanos."
Métodos conhecidos
De acordo com o depoimento da estagiária, as ofensas se
deram em um local reservado. A advogada explica que essa prática é comum no
ambiente de trabalho, além de ser sempre premeditada.
"O assediador sempre espera o momento em que a vítima
está sozinha para não deixar testemunhas, mas as marcas são profundas. O
preconceito é tão danoso, que ele nega direitos fundamentais, exclui, coloca
estigmas, e a pessoa se sente humilhada, violentada. Quando o assediador
percebe a extensão do dano, ele tenta minimizar, dizendo 'não foi bem assim,
você me interpretou errado, eu não sou discriminador, na minha família, a minha
avó era negra'."
Ester ainda afirma que teria sido pressionada a deixar o
trabalho, ao relatar o ocorrido a uma conselheira do Colégio. Como decidiu
permanecer, passou a ser vigiada constantemente por colegas.
"Eu estou lá e consegui passar numa entrevista porque
sou qualificada para o cargo, mas ela não viu isso. Ela quis me afrontar e
conseguiu abalar as minhas estruturas emocionais a ponto de eu me sentir um
lixo e ficar dois dias trancada dentro de casa sem comer e sem beber. Você
pensa em suicídio, se vê feia, se sente um monstro."
Sequelas e legislação
Ester revela que as situações vividas no trabalho mexeram
com sua auto-estima e também provocaram grande impacto nos estudos e no
convívio social.
"Desde que isso aconteceu, eu não consigo mais soltar o
cabelo. Quando estou na presença dela eu me sinto inferior, fico com vergonha,
constrangida, de cabeça baixa. É a única reação que eu tenho pela afronta e
falta de respeito em relação a mim e à minha cor."
O Boletim de Ocorrência foi registrado como prática de
"preconceito de raça ou de cor". A Lei Estadual nº 14.187/10 prevê
punição a "todo ato discriminatório por motivo de raça ou cor praticado no
Estado por qualquer pessoa, jurídica ou física". Se comprovado o crime, os
infratores estarão sujeitos a multas e à cassação da licença estadual para
funcionamento.
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