Cristovam Buarque
Cristovam Buarque é senador pelo PDT de Brasília, ex-ministro da Educação e ex-reitor da Universidade de Brasília
Não há democracia plena sem o voto secreto para o eleitor,
nem com voto secreto para o eleito. O eleitor deve ter seu voto protegido, mas
os eleitos não devem ter seus votos escondidos. Ele foi eleito pela escolha do
eleitor que tem o direito de saber como vota quem o representa.
É um contrassenso que um eleitor confie seu voto a um
candidato e depois da eleição fique sem saber como seu vereador, deputado ou
senador vota no Parlamento em assuntos que interessam ao eleitor, à cidade e ao
país. O voto secreto no Congresso é uma excrescência na democracia.
Há pouco, o Brasil deu um passo positivo na transparência,
ao publicizar toda informação que interessa ao público. Cada cidadão ou cidadã
tem o direito de saber até mesmo o salário e os custos dos seus eleitos, mas
não tem o direito de saber como votou seu parlamentar.
A lei da transparência não está completa se o Congresso
mantiver o voto de parlamentares escondidos dos olhos e ouvidos dos seus eleitores.
É preciso que o Congresso tome a decisão de acabar com o
voto secreto em todas as decisões. Alguns dizem que o sigilo do voto do
parlamentar deve ser protegido de pressões do Poder Executivo. Isso podia se
justificar durante o regime autoritário, em que a frágil oposição precisava
evitar morte, prisão ou exílio por causa de um voto.
Mas na democracia, o único poder do presidente contra quem
vota discordando das propostas do Executivo é tratar o parlamentar como membro
da oposição, o que faz parte perfeitamente do jogo democrático.
Por isso não justifica a ideia de voto secreto na hora de
votar para derrubar um veto do Presidente da República à lei ou artigo da lei.
O eleitor quer saber se o seu parlamentar votou a favor ou contra o veto ou em
uma lei que lhe interessa.
Outro argumento usado a favor do voto secreto é proteger o
parlamentar quando vota na escolha de embaixador, juiz dos tribunais superiores
e alguns outros diretores de agências. Mas, quando se tem medo de votar contra
a nomeação de um juiz é porque se espera ter benefícios quando vota a seu
favor, ou quando escondido no manto do voto secreto diz-se ter votado nele,
mesmo mentindo.
O voto secreto é um manto da mentira e precisa ser abolido.
Achar que um juiz vai perseguir um parlamentar que votou contra ele, é
reconhecer que a Justiça foi politizada, a solução exige coragem para modificar
a maneira de escolher os juízes, não de esconder o voto do parlamentar.
Da mesma maneira que é preciso saber todo voto de cada
parlamentar, é preciso fazer o voto de o parlamentar ser também obrigatório em
todas as votações, como é o voto do eleitor em todas as eleições.
O voto secreto do parlamentar é uma vergonha da democracia,
mas o voto escondido por trás do voto das lideranças também é vergonha e
humilhação para o parlamentar.
É preciso acabar com o voto secreto, mas também exigir que
toda decisão seja tomada com o voto explícito de cada parlamentar, jamais pelo
atual sistema do voto com o corpo: “quem estiver de acordo fique como está”,
como é tão comum no dia a dia do parlamento brasileiro.
Além de vergonhoso e humilhante, tem permitido a aprovação
de atos e leis sem o conhecimento dos próprios parlamentares, com artigos e
parágrafos contrabandeados, por distração ou omissão dos parlamentares
presentes, às vezes desconhecendo a pauta da votação naquele dia.
A desculpa de que o voto nominal faria impossível aprovar
qualquer coisa, porque os parlamentares nunca estão presentes é ainda mais
vergonhoso e injustificável. Se for preciso, que mudem as regras para obrigar a
presença no Plenário na hora da votação, como qualquer trabalhador, ou que
apresente suas justificativas para a ausência, ou deixe o eleitor saber que
estava ausente sem justificativa, mas jamais se escondendo debaixo do voto dito
de liderança.
O voto do eleitor na urna é obrigatório e secreto, o voto do
eleito deve ser obrigatório e transparente em cada caso, para que o seu eleitor
saiba como ele vota, e possa lembrar na eleição seguinte se o seu candidato
votou como ele deseja ou não.
Nenhum eleito deve ficar preso à vontade de seu eleitor, até
porque os eleitores têm posições variadas. Deve votar conforme seus
compromissos de campanha e de sua consciência em cada caso, mas publicamente.
Ao eleitor cabe se manifestar nas urnas, secretamente, para
reeleger ou não o seu candidato.