Domingos Dutra |
Em seus cinco primeiros meses de governo, a presidenta Dilma
Rousseff fez da erradicação da miséria sua principal bandeira política. Mas não
se posicionou claramente sobre uma das faces mais visíveis da pobreza: a
exploração do trabalho escravo. Agora chegou a hora de se manifestar. A
cobrança é feita por um deputado do partido da própria presidenta Dilma, o
também petista Domingos Dutra (MA), vice-presidente da Comissão de Direitos
Humanos. Um dos coordenadores da Frente Parlamentar pela Erradicação do
Trabalho Escravo, Dutra quer o aval da presidenta para a retomada da votação da
PEC do Trabalho Escravo na Câmara, engavetada há sete anos no plenário da Casa.
“Queremos que o governo se empenhe nisso. Dilma colocou o
combate à pobreza no centro de seu governo. Não há nada que represente melhor a
pobreza do que o trabalho escravo”, diz o deputado. “Queremos conversar com a
presidenta e com o ministro Gilberto Carvalho para saber da posição do governo.
Não podemos passar este ano sem aprovar essa PEC”, acrescenta. Domingos Dutra e
outros parlamentares envolvidos na discussão da PEC do Trabalho Escravo vão
pedir uma audiência com Dilma e o secretário-geral da Presidência, ministro
Gilberto Carvalho, para cobrar uma posição do Executivo sobre o assunto. A
proposta expropria a terra onde for constatada a submissão de trabalhadores à
condição análoga à de escravo. Ele disse não se lembrar de a presidenta ter se
posicionado sobre o tema durante sua campanha eleitoral.
Posição de governo
Os parlamentares também se mobilizam para realizar uma
audiência pública sobre o assunto com quatro ministros na Comissão de Direitos
Humanos do Senado, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS). A ideia, explica
o deputado, é chamar os ministros da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do
Rosário, da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Igualdade Racial, Luiza Helena de
Bairros, e do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, para que eles
esclareçam o que o governo pensa em relação à expropriação de terra de
escravagistas contemporâneos. Os convites, segundo Domingos Dutra, devem ser
propostos na reunião do próximo dia 7, quando será definido o novo comando da
Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo. Para o deputado, não
basta criar apenas programa de transferência de renda, a exemplo do
recém-lançado Brasil sem Miséria. “Temos de nos pegar nas questões estruturais.
Erradicar o trabalho escravo é medida duradoura para enfrentar esse problema.
Se não enfrentarmos isso, continuamos com a causa do problema aberta”, defende
o petista.
Divergência com Maia
O deputado admite que outro petista tem resistido a incluir
PEC do Trabalho Escravo na pauta, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS).
“Ele tem nos dito que não basta botar na pauta, que tem de ter garantia de
aprovação. Discordamos. Não pode ficar esse lengalenga. Queremos botar na pauta
e que cada um cada um coloque sua digital lá”, critica Domingos Dutra. “A gente
quer botar na pauta, porque aí todo mundo se mexe. Ou dá consequência ao que se
deseja, ou ficam palavras ao vento. Vamos saber quem é a favor da escravidão”,
emenda. Maia tem dito aos colegas que só pautará uma proposta de emenda à
Constituição que tiver consenso entre os deputados, o que não ocorre com a PEC
438/01.
Primeiro parlamentar de origem quilombola, o vice-presidente
da Comissão de Direitos Humanos considera vergonhoso o fato de a “sétima
economia mundial” ainda não ter erradicado a escravidão 123 anos após a
abolição da escravatura. “Vamos bater palma para a princesa Isabel e para o
Congresso do Império, que aprovou a Lei Áurea em dez dias. Nós passamos mais de
dez anos para tentar eliminar essa chaga. E não conseguimos nada até agora”,
compara.
O deputado defende a instalação da CPI do Trabalho Escravo,
proposta pelo também petista Cláudio Puty (PA), para investigar denúncias no
campo e pressionar a Câmara a aprovar a proposta de emenda constitucional.
Medo da PEC
Para ele, a crise na base aliada deflagrada com a aprovação
do Código Florestal há menos de um mês não pode servir de desculpa para que a
PEC do Trabalho Escravo continue na gaveta. Em entrevista ao Congresso em Foco,
um dos coordenadores da bancada ruralista, Moreira Mendes (PPS-RO), disse não
acreditar na existência de trabalho escravo no Brasil contemporâneo. Na visão
dele, há abuso por parte da fiscalização e falta clareza na definição do crime,
o que abriria margem para “subjetividades”.
“Se não existe trabalho escravo, por que eles têm medo da
PEC? Eles não podem querer tudo. Acabaram de impor um Código Florestal
devastador. Querem agora devastar e manter escravo? Aí é marcar dois a zero.
Temos de responder com mobilização popular”, defende Domingos Dutra. “Agora que
o governo está com a articulação política azeitada, nas mãos das mulheres, pode
ser que haja mais sensibilidade”, avalia o deputado, em alusão às ministras
Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e Ideli Salvatti, das Relações Institucionais.
Como mostrou o Congresso em Foco, com receio de um novo
embate com a bancada ruralista, o governo resiste a retomar a votação da PEC do
Trabalho Escravo. No momento, três parlamentares (os deputados João Lyra e Beto
Mansur e o senador João Ribeiro) respondem no Supremo Tribunal Federal (STF)
pelo crime de trabalho escravo.
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