O Senado realizou nesta sexta-feira (22) o processo
licitatório número 104/2011, que altera a estrutura de transportes individuais
posta à disposição dos 81 senadores. Ao todo, 38 empresas, com sedes
distribuídas por todo o país, disputaram o direito de faturar quase R$ 1,7
milhão em um contrato de um ano, prorrogável por igual período. Caso não haja
alterações no pregão, os 81 senadores vão ter à disposição nos próximos dias um
Toyota Corolla zero quilômetro, modelo novo, automóvel de luxo cujo preço médio
é cerca de R$ 60 mil.
A proposta do senador paraibano, primeiro secretário do
Senado, Cícero Lucena (PSDB) concretizou-se nesta sexta-feira (22) e o Senado
do Brasil vai gastar RS 1,7 milhão por ano com aluguel de carros para os
senadores.
O valor final foi calculado sobre o preço oferecido pela
empresa vencedora, a brasiliense Rosário Locadora de Veículos LTDA. (Conecta),
que concordou em oferecer o mesmo preço (R$ 1.770,00) sugerido pela Giro
Locadora (Grupo Gasol) – que havia vencido na primeira fase do pregão, mas foi
desclassificada por inadequação econômico-financeira. Tendo começado às 9h30, o
pregão foi encerrado às 12h45, com recurso contestatório apresentado pela Giro
contra a própria desclassificação; pela Uzeda Comércio e Serviços LTDA., contra
inadequação econômico-financeira da Conecta; e pela baiana LM Transportes, pelo
mesmo motivo.
“Estamos felizes por poder realizar um trabalho
diferenciado, para poder surpreender positivamente um órgão tão exigente como é
o Senado”, disse Silmara Aparecida Zani, representante da Conecta, festejando
mais um grande contrato – a empresa já presta serviços de locação com órgãos e
empresas como o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Governo do Distrito
Federal e a Petrobras. Há 13 anos no mercado, a empresa funciona a cerca de 30
quilômetros do Congresso.
Segundo a Comissão Permanente de Licitação, o contrato de
locação tinha valor anual estimado em R$ 5,9 milhões. O preço mensal antes
estimado por veículo era R$ 6,1 mil, mas o Senado trabalhava com a expectativa
de que o preço final ficasse em torno de R$ 4 mil. Assim confirmou-se a práxis
de pregão presencial para o setor de locação de veículos, quando o preço final
costuma cair para menos de 50%.
A empresa vencedora deve ter 5% de reserva unitária da frota
(como são 81 carros a serviço dos 81 senadores, a empresa deve por à disposição
do Senado 85 carros), bem como deve apresentar atestado técnico compatível com
o objeto da licitação. Caberá ao Senado o fornecimento de combustíveis e a
provisão de motoristas, que devem compor o quadro de servidores. O licitante se
compromete apenas com o funcionamento adequado e a manutenção dos veículos.
Na justificativa do contrato, o Senado visa a “adoção de um
novo modelo de gestão da frota”, concebido pela Mesa Diretora da Casa. O prazo
de entrega dos automóveis é de até um mês após a assinatura do contrato. Mas,
como este site mostrou em 5 de maio, tal adoção não foi bem vista por alguns
servidores do próprio Senado.
Cartel e parentescos
A despeito da aparente transparência do pregão presencial, a
disputa foi marcada por controvérsias. Uma das maiores empresa do ramo no
Brasil, a Localiza Rent a Car já havia tentado impugnar o edital de licitação,
com o argumento de que as regras afrouxavam as exigências de capacidade técnica
impostas às empresas. A Localiza não participou do pregão.
A reportagem apurou que empresas participaram em grupo do
processo licitatório, o que configuraria a prática criminosa de cartel. Como é
corriqueiro nesse tipo de processo, o preço do aluguel oferecido por
determinadas empresas é significativamente reduzido – os lances inferiores a R$
2 mil mensais por carro de saída eliminaram diversas corporações.
Um dos licitantes tem vínculos de parentesco com
autoridades. Caso da Locamérica Frotas, de propriedade do filho do ex-senador e
ex-vice-governador de Minas Gerais Arlindo Porto (PTB-MG), que também exerceu
cargo de ministro da Agricultura no governo Fernando Henrique Cardoso, entre
1996 e 1998. Não há, no entanto, proibição legal para a concorrência nesses
casos, e a empresa atua sem restrições legais desde 1993 em Minas Gerais.
Em “análise técnica”, um advogado apontou à reportagem o que
considera irregularidade no processo – a participação de licitantes, junto à
administração pública, que tenham vínculo de parentesco com autoridades. “A
participação em licitações e eventual contratação de empresas de familiares de
gestores ou dirigentes de órgãos públicos, principalmente agentes políticos,
malfere o principio da moralidade previsto no artigo 37 da Constituição”, disse
o advogado baiano especializado em licitações Vandilson Rosa Matos, que
representa um grande escritório de advocacia em Brasília.
Ele acrescenta que a regra é mesma que serviu de base para a
edição da Súmula nº 13 editada pelo Supremo Tribunal Federal, que proíbe o
nepotismo em órgãos públicos. “Não há conflito de princípios, no cotejo do
principio da moralidade com o principio da livre iniciativa, uma vez que, em se
tratando de licitações publicas, na seara do Direito público, deve prevalecer o
principio da moralidade. A livre iniciativa reside no campo do Direito
privado”, completou o especialista, para quem a lei do nepotismo precisa evoluir
para alcançar a pessoa jurídica nas licitações e contratos administrativos.
Mas há quem veja o lado positivo da licitação do Senado, que
tem histórico de irregularidades em terceirização de serviços e produtos. “É um
avanço, uma benfeitoria para a administração pública, que uma instituição de
hierarquia maior sirva de exemplo para a locação de veículos. Hoje a
terceirização não é muito bem vista”, disse um dos licitantes ao Congresso em
Foco – Paulo Batista da Silva Júnior, representante da Empresa de Transportes
Apoteose (Emtel), também sediada e em funcionamento desde 1993 em Belo
Horizonte.
Eliminação em massa
Dezenas de empresas foram eliminadas da disputa logo de
saída, segundo critérios do pregão (exclusão das ofertas que não estivessem na
faixa de 10% acrescidos ao menor preço oferecido). Ao final, apenas Conecta,
Giro e LM permaneciam na peleja. Venceu a Giro, mas em seguida foi inabilitada
por não cumprir os requisitos econômico-financeiros.
Ao passo em que os preços desabavam, uma das licitantes
desclassificadas protestava contra os preços diminutos oferecidos – reclamações
que se estenderam ao local do certame, uma sala de dimensões reduzidas que mal
acomodava as dezenas de participantes da licitação. “Isso aqui é uma
prostituição!”, declarou à reportagem Lucia Monteiro, gerente comercial da
Stillo Auto Locadora. “O preço vencedor não paga nem o seguro total que o
Senado pede.”
O maior preço foi oferecido pela empresa Trópicos Tour
Locadora de Serviços LTDA.: R$ 5,9 mil mensais pelo aluguel do mesmo Toyota
Corolla escolhido na licitação. O carro atualmente utilizado pelo senadores é o
FIAT Marea, cuja frota será vendida, provavelmente em leilão.
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