Uma onda de casos de estupro e assassinatos cometidos por
homens contra mulheres homossexuais, aparentemente com o objetivo de
"corrigir" suas orientações sexuais, está assustando a África do Sul.
Segundo estimativas, pelo menos 31 mulheres já morreram no
país vítimas desse tipo de ataque nos últimos dez anos.
Mais de dez homossexuais mulheres são estupradas – por
indivíduos ou coletivamente – por semana apenas na Cidade do Cabo (sul do
país), segundo a Luleki Sizwe, uma organização de apoio a vítimas de violência
sexual.
Muitos outros casos não são relatados ou porque as vítimas
têm medo que a polícia as ridicularize ou que seus agressores voltem a
procurá-las, explicou Ndumie Funda, fundadora da Luleki Sizwe.
"Os casos reportados pela imprensa não são nem a ponta
do iceberg. Lésbicas têm sido atacadas em municípios sul-africanos
diariamente", disse.
Vítimas
Noxolo Nkosana, 23, da Cidade do Cabo, foi vítima
recentemente desse tipo de agressão.
Certa noite, quando retornava para casa com sua namorada,
ela foi esfaqueada por dois homens – um deles morador da mesma comunidade que
ela.
"Eles estavam andando atrás de nós. Começaram a me
xingar e a gritar: 'Ei, sua lésbica, vamos te mostrar'", relatou Nkosana à
BBC.
Antes que pudesse reagir, ela foi atacada com uma faca em
suas costas – dois golpes rápidos, que a derrubaram. Semiconsciente, sentiu
mais duas facadas.
"Tinha certeza de que eles iam me matar."
Em abril, Noxolo Nogwaza foi estuprada por oito homens e morta
no município de KwaThema, perto de Johanesburgo. Sua face e sua cabeça ficaram
desfiguradas por conta das pedradas que recebeu. Ela foi atacada também com
pedaços de vidro.
Em 2008, um outro caso teve forte repercussão. A ex-jogadora
de futebol e ativista dos direitos homossexuais Eudy Simelane foi estuprada por
uma gangue e esfaqueada 25 vezes no rosto, no tórax e nas pernas. Dois dos
acusados foram condenados pela Justiça, e outros dois foram absolvidos.
Relatos de vítimas que foram ridicularizadas por policiais
também são constantemente relatados pela comunidade gay do país.
"Alguns policiais dizem: 'Como você pode ser estuprada
por um homem se não se sente atraída por eles?' Eles pedem que você explique
como se sentiu ao ser violentada. É humilhante", contou Thando Sibiya,
homossexual da comunidade de Soweto, em Johanesburgo.
Ela disse também conhecer duas pessoas que denunciaram terem
sido estupradas à polícia, mas desistiram do caso por terem sido maltratadas
pelas autoridades.
'Não-africano'
Para alguns, a origem do problema está nos bolsões
conservadores da sociedade africana que não aceitam a homossexualidade, em
especial entre mulheres.
"As sociedades africanas ainda são patriarcais. Ensinam
às mulheres que elas devem se casar com homens, e qualquer coisa que escape
disso é vista como errada", declarou Lesego Tlhwale, do grupo de defesa
dos direitos dos homossexuais africano Behind the Mask.
"O casamento entre duas mulheres é visto como algo
não-africano. Alguns homens se sentem ameaçados por isso e tentam ‘consertar’
(a situação)."
Ela notou que as mulheres que foram mortas nos ataques
recentes são descritas como masculinizadas.
"(Os agressores) dizem que elas estão roubando suas
namoradas. É um senso distorcido de posse e uma necessidade de proteger sua
masculinidade."
A África do Sul é o único país do continente – e um de
apenas dez no mundo – que legalizou o casamento homossexual. A Constituição
proíbe especificamente qualquer tipo de discriminação por orientação sexual.
Mas, na prática, o preconceito permanece comum.
Nas ruas de Johanesburgo, é fácil encontrar homens que
apoiem a ideia do "estupro corretivo".
"É como se (as lésbicas) estivessem dizendo a nós,
homens, que não somos bons o suficiente", opinou Thulani Bhenu à BBC.
Registros
Pouquíssimos casos de agressões contra lésbicas resultaram
em condenações judiciais.
Ninguém sabe ao certo quantos dos 50 mil casos de estupro
reportados anualmente na África do Sul são cometidos contra homossexuais, já
que a orientação sexual das vítimas não é registrada.
Mas, após a morte de Nogwaza – e de um abaixo-assinado com
170 mil assinaturas de todo o mundo pedindo o fim dos "estupros
corretivos" – o Departamento de Justiça local começou a montar uma equipe
cuja missão é desenvolver uma estratégia de combate a crime homofóbicos.
Também está em debate a adoção de penas mais duras para
casos em que a orientação sexual da vítima seja um fator determinante no crime.
Noxolo Nkosana teme ser atacada novamente, mas se recusa
"a voltar para o armário", ou seja, de fingir que é heterossexual.
"Fizeram de mim uma vítima em meu próprio bairro, mas
não vou deixar que eles vençam”, disse. “Não podem impedir que eu seja quem eu
sou."
Lesego Tlhwale, do grupo Behind the Mask, diz que as
homossexuais estão, em geral, bastante preocupadas.
"Estamos observando um aumento nos ataques contra
lésbicas nos meses recentes. Todas estão com medo de ser a próxima
vítima."
Pumza Fihlani, BBC News
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