Mudanças foram fundamentais para conduzir Lula à Presidência |
PT : Sucesso eleitoral e transformações ideológicas. Livro
traz a história do partido e debate mudanças internas na estrutura da legenda
que pavimentaram as eleições de Lula e Dilma
Mudanças foram fundamentais para conduzir Lula à Presidência
O historiador Lincoln Secco, da Universidade de São Paulo
(USP), registra em estilo ensaístico a história do Partido dos Trabalhadores.
Ele é o primeiro intelectual brasileiro a se deparar com o desafio de contar a
história da maior agremiação de esquerda do Brasil.
Em História do PT (Ateliê Editorial, 320 pág.), o autor
aponta que o partido tem uma trajetória de sucesso eleitoral em comparação com
partidos de esquerda europeus, que demoraram mais de 40 anos para chegar ao
governo. No entanto, esse êxito
eleitoral não foi alcançado sem profundas mudanças na estrutura partidária e no
posicionamento ideológico da legenda. A composição do partido, aliás,
organizado em tendências, é uma das novidades que o partido trouxe para a
política brasileira e para a esquerda mundial.
Tal como o formato estatutário diferente, também é peculiar
a origem dos militantes que compuseram o partido naquele momento em que o
regime militar demonstrava sinais de esgotamento. Secco aponta seis principais
grupos que formaram o partido: o Novo Sindicalismo, forjado nas greves do ABC;
os movimentos sociais organizados junto à Igreja Católica; políticos já
estabelecidos no MDB que viriam a aderir à legenda; intelectuais de esquerda;
organizações trotskistas diversas; e, por fim, militantes oriundos da luta
armada contra a ditadura.
Essa configuração de um modelo plural é fundamental, para
Secco, na análise dos rumos que o partido trilhou. Confira abaixo entrevista
com o historiador:
Brasil de Fato – A configuração atual do PT pode ser
compreendida pela vitória da realpolitik implementada pelo Novo Sindicalismo
sobre agrupamentos trotskistas e os intelectuais (que aos poucos até deixaram a
legenda)?
Lincoln Secco – Alguns intelectuais e militantes históricos,
mais “ideológicos”, deixaram o PT. Mas, curiosamente, muitos o fizeram por
causa de uma exigência ética. Eu não afirmaria que o Novo Sindicalismo derrotou
as correntes marxistas simplesmente. Houve o que os italianos chamavam de
transformismo. Vários quadros das correntes pragmáticas vieram do marxismo e
assumiram ministérios e governos estaduais enquanto a maioria das lideranças
sindicais se apagou no passado ou se contentou com cargos de segundo escalão no
governo Lula. Como explico no livro, muitos trabalhadores manuais deixaram de
ascender por causa de sua origem social, embora tal explicação nos incomode.
Lula, na verdade, é uma das exceções. Afinal, até onde foram os líderes
metalúrgicos do ABC? O pragmatismo do sindicato pode ter vencido, mas ao custo
de largar os sindicalistas pelo caminho e encontrar porta-vozes mais aceitáveis
em intelectuais e sindicalistas de classe média.
Como se deu esse processo de “aggiornamento total” do
partido que, em sua opinião, ocorreu em 2002? De que maneira este processo foi
fundamental para o PT deixar de ser uma mera possibilidade para tornar-se uma
alternativa concreta para governar o país?
Desde a derrota do Lula em 1989, começou uma operação
delicada: por um lado, a moderação do discurso, as alianças e o programa. Mas
isso tinha forte oposição interna no PT. A partir de 1995, começou uma
centralização maior da vida interna. Eu acredito que algumas correntes foram se
distanciando do PT já antes de 2002, porque se tornou difícil para a esquerda
partidária sobreviver desde que o partido implantou o PED (Processo de Eleições
Diretas). O PT trouxe para dentro de si um mecanismo eleitoral em que os
mandatos dotados de mais recursos passaram a arregimentar eleitores na base.
Por outro lado, um partido mais unificado se tornou confiável para chegar ao
poder e era disso que Lula precisava.
Você aponta que o PT, desde os primórdios, apresentava uma
dependência, sobretudo financeira, dos poucos mandatos que tinha. Na sua
opinião, quando – se de fato houve isso – o partido passou a se organizar mais
em torno de mandatos do que de tendências?
Os parlamentares mais votados logo tentavam se impor. Tanto
é assim que em 1993 a Direção Nacional tentou disciplinar os mandatos de
deputados federais. Mas há um momento em que o PT se torna um partido de
mandatos, embora as tendências continuem existindo. Esse processo acontece ao
longo dos anos 1990. O caso de São Paulo é interessante. Na capital, a corrente
majoritária rachou em vários pedaços. Cada um dominado por um “capa preta”,
como se diz no jargão. Veja que na cidade de São Paulo a CNB (Construindo um
Novo Brasil) não é majoritária hoje.
Desde o mote “partido sem patrão”, nos primórdios da
legenda, o PT veio notabilizando-se mais, a partir dos anos 1990, por mandatos
que combatiam exemplarmente a corrupção e prefeituras com “o modo petista de
governar”. Em 2005, há a crise, que acarreta no que você chama de “fim de parte
do simbolismo do partido”. Hoje, o que o diferencia dos demais?
Sem dúvida nenhuma, a sua história. O PT está totalmente
integrado à ordem, mas por muito tempo ainda será um partido diferente. Olhe a
composição social das bancadas do PT e dos demais partidos. O PT tem mais
sindicalistas, mais gente de origem nas classes baixas. Olhe para o mapa
eleitoral do Brasil em 2006 e 2010 e, se preferir, analise o mapa eleitoral da
cidade de São Paulo desde 1988.
O PT nunca teve um único princípio como seu motivo de
existência. Ele é simplesmente o partido que tem o apoio da classe
trabalhadora, o que não significa dizer que sua política represente os
interesses últimos dela. Aí é uma outra discussão, de natureza programática.
O direito a conformar tendências, presente já na fundação do
partido, é apontado como uma das principais novidades da legenda e da esquerda
mundial. Com o status de maior partido do Brasil, a configuração de um partido
de tendências internas passou a ser apenas simbólica? Um exemplo atual disso
seria a articulação que Lula (teoricamente membro do campo Construindo um Novo
Brasil) faz para emplacar Fernando Haddad (do grupo Mensagem ao Partido) como
candidato a prefeito de São Paulo...
As tendências continuam por aí. Mas hoje o PT é dominado por
“campos”, em que a relação entre militantes é menos disciplinada, menos
orgânica. Na verdade, o campo é uma frente de tendências. Mas é cedo para
analisar o exemplo que você cita. Lula impôs o nome da Dilma porque os quadros
dirigentes históricos do PT foram destruídos pelo escândalo do mensalão.
Recentemente, ele tentou impor um presidente para o PT em substituição ao José
Eduardo Dutra. Mas o PT preferiu Rui Falcão. Em São Paulo, pode ser que haja prévias,
o que Lula nunca quis.
O cientista político André Singer afirma que a preferência
da população pelo PT, conquistada ao longo dos anos, não foi revertida em apoio
às causas de esquerda. E também aponta que cabe ao PT, como agremiação de
esquerda, politizar a chamada nova classe média, que apresenta posições
conservadoras. O senhor partilha dessa opinião?
A ampliação de uma nova classe trabalhadora remediada não se
fez necessariamente acompanhar de valores políticos de esquerda. Eu concordo
com isso. O governo Lula promoveu a integração de milhões de pessoas ao mercado
de consumo. Além disso, a integração ao mercado de trabalho se deu em empregos
de baixo salário e alta rotatividade. É inegável que o governo petista não
representou uma mudança qualitativa no Estado Brasileiro, mas também é verdade
que deu um salto quantitativo no atendimento às carências da população.
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