Como seria um Brasil sem Lula?
Aliás, chocante a maneira como algumas comentaristas
celebraram a doença de Lula. Até nos ambientes mais selvagens - das guerras,
por exemplo - há a ética do guerreiro, de embainhar as armas quando vê o
inimigo caído, por doença, tragédia ou mesmo na derrota. Por aqui, não: é
selvageria em estado puro.
A analista-torcedora supos que, com a doença de Lula,
haveria uma mudança radical no quadro político.
Sem voz, Lula seria como um Sansão sem cabelos. Sem Lula,
não haveria Fernando Haddad. Sem contar os diagnósticos
médico-políticos-morais, de que Lula foi castigado por sua vida desregrada.
Zerado o jogo político, concluiu triunfante.
Num de seus discursos mais conhecidos, Lula bradava para a
multidão: "Se cortarem um braço meu, vocês serão meu braço; se calarem a
minha voz, vocês serão minha voz...".
Qualquer tragédia com Lula o alçaria à condição de semideus,
como foi com Vargas. O suicídio de Vargas pavimentou por dez anos as eleições
de seus seguidores. É só imaginar o que seriam os comícios com a reprodução dos
discursos de Lula. Haveria comoção geral.
A falta de Lula seria visível em outra ponta: é ele quem
segura a peteca da radicalização. Quem seguraria suas hostes, em caso da sua
falta? Seu grande feito político foi promover um pacto que envolveu os mais
diversos setores do país, dos movimentos sociais e sindicais aos grandes grupos
empresariais. E em nenhum momento ter cedido a esbirros autoritários, a
represálias contra seus adversários - a não ser no campo do voto -, mesmo
sofrendo ataques implacáveis.
Ouvindo os analistas radicais, lembrando-se da campanha
passada, como seria o país caso Serra tivesse sido eleito? É um bom exercício.
Não sobraria inteiro um adversário. Na fase Lula, há dois poderes se
contrapondo: o do Estado e o da mídia e um presidente que nunca exorbitou de
suas funções. No caso de Serra, haveria a junção desses dois poderes, em mãos
absolutamente raivosas, vingativas.
Ao fechar todos os canais de participação, Serra sentaria em
cima de uma panela de pressão. Sem canais de expressão, muitos dos adversários
ganhariam as ruas. Sem a mediação de Lula, não haveria como não resultar em
confrontos. Seria uma longa noite de São Bartolomeu.
Essa teria sido a grande tragédia nacional, que
provavelmente comprometeria 27 anos de luta pela consolidação democrática.
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