Cristovam Buarque é senador pelo PDT de Brasília,
ex-ministro da Educação e ex-reitor da Universidade de Brasília
Texto:
Mentira
A Educação é um processo de acúmulo de conhecimento, não de
consumo de aulas. Mas, as salas de aula de nossas faculdades estão parecendo
restaurantes, onde se consomem aulas. Pela baixa qualificação dos alunos, o
aumento nas vagas do ensino superior não trará o resultado desejado. Elas
fracassarão como construtoras de conhecimento de alto nível.
A solução não está na volta ao passado elitista, quando
raríssimos jovens entravam em faculdades. A solução está no avanço, pelo qual
todos que desejem um curso superior tenham tido um Ensino Médio com qualidade e
possam cursá-lo com a base educacional que os tempos atuais exigem.
Nos últimos 20 anos, o número de vagas no ensino superior
cresceu 503%, mas o número de jovens concluindo o ensino médio cresceu apenas
170%, e certamente sem melhora na qualidade. São 2,6 milhões de vagas no ensino
superior para 1,8 milhão de concluintes do Ensino Médio. Ao invés de 10 a 15
candidatos por vaga, são 2,3 vagas por candidato.
Mesmo considerando a necessidade de vagas para antigos
concluintes do ensino médio, esta diferença é uma distorção absurda e trará
graves conseqüências na formação universitária no Brasil, ficando impossível
ter boas universidades e faculdades, pois um bom ensino superior depende de uma
boa educação de base.
Eliminou-se o elitismo da falta de vagas, mas manteve-se o
elitismo econômico e as boas e grátis universidades para os alunos que puderam
pagar por boa educação de base.
Corretamente, os últimos governos criaram vagas, mas pouco
fizeram para que toda criança tenha acesso à escola de qualidade.
O governo Lula criou o PROUNI, que paga a mensalidade dos
carentes, que, por falta de bom ensino médio, não ingressam nas públicas.
Abandonamos a busca da construção de uma elite intelectual, sem destruir o
elitismo social. Assim não acumulamos conhecimento, consumimos aulas.
Além de mais vagas em faculdades é preciso promover uma
formação de qualidade para todos na educação de base. Isso exige uma revolução,
não apenas um II Plano Nacional de Educação, possivelmente tão irrelevante
quanto o I PNE. Esta revolução só será possível se fizermos da Educação de Base
uma questão nacional como já fizemos há décadas com o Ensino Superior.
Esta revolução se faria por meio de uma Carreira Nacional do
Magistério e de um Programa Federal de Qualidade Escolar em Horário Integral.
Por esta nova carreira, os professores e os servidores da educação seriam
contratados por concurso público federal; receberiam um salário mensal de R$ 9
mil, depois de um ano de curso adicional, posterior ao concurso; a estabilidade
não protegeria os que não se dedicarem com exclusividade e competência a seus
alunos.
Esses professores seriam lotados nas mesmas cidades; todas
as escolas dessas cidades seriam federalizadas, como hoje se faz com as 300
escolas federais; e todas as escolas teriam prédios bonitos, confortáveis e
seriam equipadas com os mais modernos equipamentos da pedagogia, com os quais
todos os professores estariam familiarizados.
Esta proposta está desenvolvida em detalhes no livro "A
Revolução Republicana na Educação", que pode ser obtido gratuitamente pelo
link http://bit.ly/ukvvGJ.
Um programa como esse pode ser iniciado de imediato, mas
demora a ser implementado em todo o país, sobretudo por falta de recursos
humanos em quantidade. A solução é executá-lo por cidades.
Pode-se imaginar que o novo quadro de professores
incorporaria cem mil professores a cada ano, sendo lotados em 10 mil escolas,
em 250 cidades de porte médio, atendendo cerca de três milhões de alunos. A
revolução se faria de imediato nessas cidades, e em todo o Brasil levaria 20
anos.
Ao longo desse período, o novo sistema de escolas federais
iria substituindo o sistema tradicional municipal ou estadual. Ao final de 20
anos o custo total estaria em 6,4% do PIB.
Esta revolução foi iniciada no final de 2003, em 28 pequenas
cidades, e interrompida antes mesmo de ser implementada.
A posse de um novo ministro pode ser o momento para iniciar
a execução dessa proposta que em 2003 recebeu o nome de Escola Ideal. Com ela,
contaremos todos com uma educação de base qualificada e teremos a possibilidade
de um sistema de ensino superior de qualidade, no qual as vagas sejam
disputadas sem discriminação social, em vez de oferecidas com discriminação
social. Teríamos o bom elitismo, intelectual, com a mesma chance para todos,
como no futebol. E sem mentira.
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