A Revista errou feio (ou mentiu deliberadamente?) ao chamar
as manifestantes de "burguesas"
e "petistas", e afirmar que são moradoras do Crusp. Após
investigação, nenhuma afirmação se confirmou, como podem ler a seguir
A cena do secretário estadual de Cultura e pré-candidato a
prefeito do PSDB Andrea Matarazzo com o dedo na cara de uma manifestante foi
pras homes dos principais portais de notícias do país no sábado à tarde, logo
após a inauguração parcial da nova sede do MAC, no prédio do antigo Detran, em
São Paulo. No domingo, a foto de autoria de Paulo Liebert, reproduzida acima,
estava na capa da edição impressa do Estadão.
No mesmo dia, a revista Veja, através de seu colunista
Reinaldo Azevedo, revelava a suposta identidade da manifestante: “Quem é aquela
mulher (…) cordata, suave, pronta para o diálogo? (…) É Rafaela Martinelli,
aluna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e moradora do
Crusp. É publicidade que ela queria, não? Aqui está”.
Acontece que a estudante em questão não é Rafaela. A revista
Veja errou. Trata-se de Arielli Tavares Moreira, 22 anos, estudante do quinto
ano do curso de letras da USP. E há mais incorreções. O colunista também chama
os manifestantes de “burguesotes”. Arielli é de família classe média-baixa da
pequena cidade de Tatuí. E Rafaela, exposta e atacada pela revista de maior
circulação do Brasil sem sequer aparecer na foto, é moradora de Guaianases,
zona leste paulistana – e não vive no Crusp, conforme disse Veja.
Para completar, mais um erro: nem Rafaela nem Arielli são
filiadas ao Partido dos Trabalhadores, acusação feita por Azevedo, Andrea
Matarazzo e pelo vereador Floriano Pesaro. Pelo contrário, as meninas são
críticas ao governo Dilma Rousseff e ao PT. A seguir os principais trechos da
conversa com Arielli (que está de fato na foto) e Rafaela (que Veja “colocou”
na foto):
Arielli, você pode por gentileza descrever como foi aquele
momento da discussão com Andrea Matarazzo?
No momento da foto estávamos cantando o refrão “Alckmin, seu
matador! Assassinando o povo trabalhador!”. Isso tem sido cantado por ativistas
do movimento social do país inteiro, que estão organizando atos exigindo que o
PSDB pague pelo sofrimento que tem causado, como no caso do Pinheirinho. [O
secretário] apontou o dedo pra mim e me chamou de “mal-educada”. De fato, para
a ideologia burguesa, hipocrisia é sinônimo de educação, e dizer a verdade sem
meia palavras não é de bom tom. Tomado pelo ímpeto professoral de quem insiste
em dar “aulas de democracia”, ele continuou se aproximando e me chamando de
mal-educada. Em seguida um de seus assessores conseguiu convencê-lo a entrar no
carro, e ele foi embora.
Ele diz que você cuspiu na cara dele, isso é verdade?
Não. Depois que a foto foi veiculada para todo canto, vi que
ele me acusou de ter cuspido nele. Não me surpreende nada que uma pessoa que
está de mãos dadas com a especulação imobiliária há tanto tempo tenha que
inventar uma mentira dessas para justificar a postura truculenta. Afinal não
pega bem uma foto com o dedo na cara de uma manifestante em ano de eleição.
Andrea Matarazzo é filho da elite paulistana e tem uma história no PSDB. Ele é
o responsável pela elaboração do projeto “Nova Luz”, que visa “revitalizar” o
Centro à moda tucana, ou seja, expulsando e eliminando a população em situação
de rua. Também foi ele quem assinou o projeto de calçada “anti-mendigo”.
Por que você resolveu ir ao MAC?
Enquanto a elite paulistana finge ser educada inaugurando
seus museus, sujam as mãos de sangue no massacre do Pinheirinho. A cada dia que
passa se desfaz o mito de uma operação de desocupação pacífica. Há relatos de
feridos e desaparecidos que ainda não localizados depois da ação da PM. Fui
então na inauguração do MAC porque vi na internet que Alckmin e Rodas [João
Grandino Rodas, reitor da USP] estariam lá. Fomos protestar contra a ação da PM
na USP, na Cracolândia e no Pinheirinho. Tanto Rodas quanto Alckmin defendem um
projeto de sociedade contrário ao meu e de centenas de ativistas do movimento
social. E é contra esse projeto que precisamos lutar, não apenas dentro dos
muros da universidade. Não me surpreende que ambos tenham mostrado o quanto são
covardes ao não comparecer a inauguração.
O que você achou de aparecer na capa de jornais e em grandes
portais com o secretário?
A exposição assusta um pouco, mas não estou ali expondo
apenas minha individualidade, o clique registra não apenas a minha indignação,
mas a de minha geração, junto comigo tinham vários estudantes, poderiam ter
fotografado qualquer um de nós. A repercussão está relacionada também ao fato
de que as pessoas estão tomando conhecimento do que aconteceu no Pinheirinho e
está ficando difícil para mídia esconder os fatos, como faz normalmente.
O que você diria às pessoas que afirmam que todo estudante
da USP é maconheiro e vagabundo?
Na minha opinião ser estudante de uma universidade pública é
mais do que assistir as aulas e conseguir um diploma. Temos a responsabilidade
de ter uma visão crítica sobre o que acontece ao nosso redor. Quando a mídia
tenta colocar rótulos sobre os estudantes ela não está fazendo nada além de
reduzir a opinião das pessoas, com o objetivo de impedir que elas se expressem.
Não é à toa que nunca vimos uma entrevista completa de um estudante sobre uma
pauta do movimento social veiculada pela grande mídia.
O que você acha do Reinado Azevedo? E da mídia convencional
em geral?
Infelizmente Reinaldo Azevedo não tem sua licença de
jornalista cassada, então segue cumprindo um desfavor para a comunicação, sem
qualquer tipo de compromisso ético. Ao invés de argumentar sobre a nossa
atitude, reduziu o protesto a mim e tentou me desmoralizar com fotos e
piadinhas de mau gosto. O mais preocupante é vê-lo incitando a violência contra
os manifestantes e apoiando a atitude truculenta do secretário, fazendo coro
com o fascismo e com o nazismo. Vendo o que significam esses momentos na
história do mundo acredito que não se deve incitar esse tipo de ação como esse
“jornalista” faz usualmente.
O vereador Floriano Pesaro, que estava ao lado de Andrea,
classificou vocês de “pseudo-manifestantes” e “nazipetistas”. O que você acha
disso?
Se fôssemos inocentes diríamos que o vereador está mal
informado. Mas, sabendo de quem se trata, diria que ele tenta fazer as pessoas
acreditarem que estamos fazendo isso porque é ano de eleição. Minha militância
é ativa independente desses períodos. Sou militante do PSTU e milito contra as
injustiças sociais que estes senhores seguem perpetuando. Mas é claro que eles
não podem compreender o que isso significa. Para eles a situação dos
trabalhadores brasileiros que passam fome e não tem onde morar não passam de
números em seus relatórios.
O que você acha do Partidos dos Trabalhadores, de Lula e de
Dilma?
Assim como Lula, a Presidente Dilma tem a confiança da
maioria dos trabalhadores do país e tem o poder do Estado. Se ela quiser pode
resolver a vida de todos os moradores do Pinheirinho desapropriando o terreno e
o transformando em área de interesse social. Não é possível que ela se omita
enquanto um massacre segue acontecendo. Quem de fato está ao lado dos
trabalhadores não pode ficar apenas na torcida.
O que você acha dessa história de “acusarem” de petistas
todos os que criticam Alckmin ou Kassab? Só petistas ou filiados a outros
partidos de esquerda desaprovam o governo e protestam contra eles?
É claro que não. Eles fazem essas acusações rasas – para dizer
o mínimo – para perpetuar a visão maniqueísta deles. Essa polarização entre o
PT e o PSDB é falsa. As pessoas se mobilizam quando as contradições entre a
vida e nossa consciência se tornam tão agudas que se torna impossível suportar
calado, e isso não depende de nenhum partido ou tampouco de quantos livros
marxistas você leu na vida.
Por fim, Reinaldo Azevedo chamou-a de “burguesote”. Você é
de família rica?
Durante o ato alguns dos presentes também nos acusaram de
“burguesinhos” ou “filhinhos de papai”. Eu sou de uma família de classe média
baixa do interior (Tatuí-SP), e acredito que não importa da onde você veio, mas
sim ao lado de quem você quer estar.
Agora fala Rafaela Martinelli, também estudante de Letras da
USP e que foi "colocada" na foto por Veja:
Rafaela, o que você achou de ser identificada erroneamente
como a “garota da foto” Por Reinaldo Azevedo no site da Veja?
Eu não tenho paciência pro jornalismo de quinta categoria da
Veja. Eles não fazem nem questão de disfarçar a parcialidade deles. Como um
texto tão chulo –independente da posição que defenda– pode ser considerado
jornalismo? É nojento.
Você estava no protesto do MAC? Se sim, por favor fale um
pouco como foi lá.
Sim. Quando vi que teríamos em SP um evento que juntaria Matarazzo,
Alckmin e Rodas no mesmo lugar pensei que não poderíamos deixar passar. Aí
criei um evento no Facebook. Não imaginava que daria certo, mas felizmente deu.
O governador não apareceu, e aí já temos um problema: um governador que esconde
a cara da população não é digno de confiança nenhuma. E não tinha motivo pra se
esconder. Ninguém lá, além da PM, estava armado ou coisa parecida. O reitor da
USP viu os manifestantes de dentro do carro e foi embora. Ainda lá no evento
conseguimos cercar o Maluf e o Matarazzo.
Fizemos algumas perguntas desconfortáveis pro Maluf até que
ele foi embora. Depois fizemos o mesmo com o Matarazzo, mas ele e os homens que
o acompanhavam foram bem mais agressivos. Um dos manifestantes revidou e foi
imobilizado pela PM. O que eu achava mais bizarro é que esses engravatados é
que vinham pra cima dos manifestantes e era a nós que a polícia repreendia. É
só olhar as fotos! Tem um homem de camisa rosa que aparece em várias delas,
claramente exaltado, que veio pra cima de vários de nós. Eu tentei impedi-lo de
bater num manifestante e tomei um soco no braço e um empurrão. A maior agressão
que partiu dos manifestantes foi uma ovada e, francamente, diante de toda a
repressão policial que temos presenciado ultimamente, chamar uma ovada de
“violência” é risível.
O que você diria às pessoas que pensam que todo estudante da
USP é maconheiro e vagabundo?
Infelizmente essa é uma reação normal. As pessoas falam que
há certas formas de manifestação que não são corretas. Concordo, mas em 2009 na
USP atiramos flores nos policiais e fomos chamados de vândalos. Acho que
chegamos ao ponto crítico em que qualquer movimento mínimo que ouse nos tirar
da “normalidade” será chamado de vandalismo. Depois da manifestação, uma
senhora me abordou e disse que deveríamos estar protestando contra a corrupção.
Disse a ela que demonstrar repúdio a um governo que subsidia
canalhas como o Naji Nahas e o João Grandino Rodas é uma forma muito concreta
de se manifestar contra a corrupção, que não adianta achar que “corrupção” é só
uma questão de caráter: há um sistema por trás. Batemos um papo lá e ela até
apertou minha mão depois. Quer dizer, no fim das contas, acho que o caminho é
esse: tirar as pessoas da zona de conforto, do diletantismo e da indignação
inócua e fazê-las tomar um posicionamento. Para isso servem as manifestações.
O vereador Floriano Pesaro, que estava ao lado de Andrea,
chamou vocês de “pseudo-manifestantes” e “nazipetistas”. O que você acha disso?
Qual é o critério para se definir quem são
“pseudo-manifestantes” ou manifestantes “de verdade”? E nazista pra mim é quem
promove políticas de extermínio como no Pinheirinho e na Cracolândia.
Você é filiada ao PT?
Não sou filiada a nenhum partido.
Reinaldo disse que você é da comunidade Marxismo e PT, isso
é verdade? Você está em alguma comunidade do tipo no Facebook?
Eu sigo no Facebook uma corrente do PT que se chama
“Esquerda Marxista”, assim como também sigo muitos outros partidos, correntes e
movimentos sociais.
O que você acha desa história de “acusarem” de petistas
todos os que criticam Alckmin ou Kassab? Você acredita que só petistas
desaprovam e protestam contra eles?
O PT é a maior oposição ao PSDB na grande política, então é
natural que associem qualquer tipo de oposição ao PT. Mas acreditar nisso é um
tanto absurdo…
Nenhum comentário:
Postar um comentário