O Ministério Público Federal na Paraíba (MPF) propôs ontem,
6, ação civil pública com pedido de liminar contra a TV Correio (repetidora da
TV Record na Paraíba) e o apresentador do programa Correio Verdade, Samuel de
Paiva Henrique (conhecido como Samuka Duarte), em virtude da exibição de cenas
reais do estupro de uma menor ocorrido em Bayeux (PB). As cenas, filmadas com o
uso de um celular por um comparsa do autor da violência, foram exibidas no
programa da última sexta-feira, 30 de setembro. A ação também foi proposta
contra a União.
Segundo a ação, “não se encontraria, no país inteiro,
exemplo mais cabal de exploração da miséria humana, da sexualidade pervertida,
de desrespeito com os valores da sociedade e da família e de atropelo da dignidade
de uma criança por meio de veículo de comunicação, do que este”. Tais cenas,
disfarçadas com recurso de tênue desfoque, mostradas no horário do almoço,
“transformam a casa de milhares de cidadãos paraibanos em palco para a
sexualidade pervertida e criminosa, além de tripudiar com a dignidade e os
direitos da personalidade da infeliz vítima”.
A ação destaca que, como forma de atrair o público,
especialmente o infantil, “estas cenas foram anunciadas e repetidas durante
todo o horário de exibição - de 12h às 13h, do dia 30 de setembro, como a maior
“atração” do dia, com frequentes inserções de parte do vídeo que mostrava a
adolescente sendo despida, com promessas que a filmagem completa seria mostrada
no final do programa (o que de fato ocorreu, a partir das 12h50), quando o
apresentador chegou ao paroxismo da histeria”.
Estupro como atração - Em outro trecho da ação consta que,
às 12h29, o apresentador exclamou: "“Atenção! Vocês vão ver uma história
de estarrecer... uma estudante de treze anos... violentada... tudo foi
filmado... Vocês aguardem porque as imagens vocês vão ver aqui como foi. São
chocantes!” (...) Às 12h34 é exibida a cena da desnudez, enquanto o
apresentador descreve: “Olha o cara tirando a roupa dela aí, ó. Só um
trechinho. Depois a gente vai mostrar tudo”. Às 12h41, exibição de novas cenas
do crime e descrições (...) “Ela tá deitada”, “Tá como se estivesse dopada”.
Finalmente, chega o gran finale. Às 12h54, o apresentador afirma que irá
“mostrar agora” cenas que irão “chocar a Paraíba”. Cinicamente, pede “que as
crianças saiam da sala”, o que não o impede de continuar apelando: “Atenção que
nós vamos mostrar agora””.
Na ação, o Ministério Público Federal defende que a exibição
dessas cenas, mesmo com o desfoque, é inteiramente proibida pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Ofensa à dignidade - No caso do programa Correio Verdade, o
MPF entende que "uma concessão pública foi utilizada como instrumento da
violação de direitos fundamentais da pessoa humana, e exatamente do segmento
mais fragilizado da sociedade – as crianças e adolescentes. Nenhuma
justificativa de informação pública pode socorrer os autores de tamanha
afronta, absolutamente desnecessária, que ofendeu a dignidade da pobre vítima,
ampliando seus ultrajes e vergonha, e a dignidade dos telespectadores,
transformados, em pleno horário do meio dia, em espectadores de um “snuff
movie” que seria proibido até mesmo no horário da madrugada ou no mais
recôndito dos cinemas pornôs”.
Ainda na ação, o MPF cita recente proibição, pela Justiça
Federal, de exibição de filme, de procedência sérvia, que em uma das cenas
simulava o estupro de um bebê (foi utilizado um boneco) e questiona: “O que se
dizer, então, da TV aberta que exibe em pleno meio dia cenas de um estupro
real, precedidas de inúmeros “trailers” apelativos com parte das cenas e
chamadas do apresentador? (...) O que falta para a TV Correio em seu vale tudo
pela audiência? Exibir cenas reais do estupro de um bebê - posto que de criança
já exibiu – a pretexto de “informação”?
Violação de imagem - A ação fundamenta-se na violação do
direito à imagem (que no caso, por se tratar de crime, nem com autorização dos
responsáveis poderia ser exibida publicamente), do direito à intimidade e à
honra da criança vítima - que pode ser perfeitamente identificada no meio em
que vive - para pedir condenação do apresentador e da emissora, em prol da
menor, no valor de R$ 500 mil. “A infelicidade de um crime não torna o corpo da
vítima objeto do domínio público para que os réus dele possam servir-se com
fins lucrativos”, defende o procurador da República Duciran Farena, que
subscreve a ação.
Danos morais - São pedidos também na ação danos morais
coletivos, sofridos pela sociedade com a exibição da cena, no valor de cinco
milhões de reais, que serão revertidos ao Fundo Municipal da Criança e do
Adolescente das cidades de João Pessoa e Bayeux. Liminarmente, pede-se também
que a emissora seja compelida a abster-se de exibir no programa qualquer imagem
de menor, seja vítima de crimes, seja menor em conflito com a lei.
Cassação da concessão - Contra a União, pede-se o
monitoramento dos programas transmitidos pela TV Correio, a suspensão - por 15
quinze dias - do programa Correio Verdade e a cassação da concessão. A União,
como titular da concessão de radiodifusão, ainda responderá subsidiariamente
pelas indenizações, no caso de falência ou desaparecimento dos réus.
Outras providências - O procurador também anunciou que
outras providências serão tomadas com relação ao programa Correio Verdade, como
recomendações aos patrocinadores para que suspendam a publicidade no programa e
à própria TV Record, para que impeça a retransmissão de sua programação pela
afiliada TV Correio.
Classificação indicativa - O Ministério Público Federal vem
acompanhando o problema da inadequação do conteúdo dos programas policiais
sensacionalistas para o horário em que são exibidos na Paraíba (entre 12h e
13h), por meio do Inquérito Civil Público nº 1.24.000.00706/2007-69. Em agosto
foi solicitado às emissoras, inclusive à TV Correio, um compromisso de que
ajustariam sua programação à classificação indicativa do Ministério da Justiça
(Portarias MJ nº 1.100/2006 e nº 1.220/2007).
A despeito da TV Correio ter subscrito - com as demais
emissoras - documento reafirmando seu respeito às diretrizes delineadas pela
Portaria Ministerial MJ nº 1.220/2007, “o conteúdo do programa Correio Verdade
somente tem piorado, chegando ao cúmulo do intolerável com a exibição das cenas
do estupro”, conforme declarou o procurador Duciran Farena.
O procurador informou que aguarda apenas análise do conteúdo
do programa Correio Verdade, pelo Ministério da Justiça, para ingressar com
nova ação com vistas a responsabilizar a empresa pelo descumprimento da classificação
indicativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário