por Heloisa Villela, de Washington
Eram cinco mil livros. Uma biblioteca montada de forma
espontânea e informal, ao longo dos últimos dois meses, que ocupava um dos
cantos da Praça Zuccotti. A Polícia de Nova York juntou todos os volumes,
misturou os títulos aos utensílios da cozinha comunitária, aos tambores, sacos de
dormir e barracas. Com o apoio logístico dos garis municipais jogou tudo em
grandes sacos de plástico e de lá, para os caminhões de lixo.
A resposta do movimento pacífico, que quer muito mais do que
apenas uma praça da cidade, foi bem articulada por Gabriel Johnson, em
entrevista ao programa de rádio DemocracyNow!:
“Um dos grandes erros de avaliação deles é achar que o
movimento se limita ao parque. O movimento está em nossas mentes: é uma ideia.
É estar aqui, as conversas que temos e que levamos conosco para qualquer lugar.
Os grupos de trabalho continuam funcionando 100% e temos esta coisa maravilhosa
chamada internet. Não sei se os policiais já ouviram falar disso, mas eles não
podem fechar a internet. Eles podem até tentar, mas ainda assim teremos acesso
às nossas ideias e ainda temos a habilidade e a oportunidade de dividir nossas
ideias”.
A cozinha pública e comunitária foi proibida. Mas a
criatividade deu conta do problema. A comida agora é feita há uma quadra do
parque e vai, de mão em mão, sustentar quem está ali, sem cadeira, barraca ou
qualquer outro aparato. Vídeos e mensagens continuam circulando na internet.
A operação para desmontar o acampamento e tentar calar o
chamado Ocuppy Wall Street, deflagrada na calada da noite, foi muito bem pensada,
apesar de ter fracassado em boa medida. As ruas de acesso à praça foram
fechadas. Várias estações de metrô das redondezas também. A quadra escolhida
como área física para dar voz ao que pensa boa parte da população americana se
transformou em zona militar. É quase sempre assim: governos que se sentem
ameaçados por ideias e questionamentos tentam barrar o fluxo com escudos e
cassetetes. Uma atitude que só confirmou
o que vêm dizendo muitos dos envolvidos nesse movimento: não é apenas a
economia americana que está falida. A democracia do país também foi pro brejo.
Faz tempo.
No mesmo programa de rádio citado acima, o depoimento do
policial aposentado do Departamento de Polícia da Filadélfia, Ray Lewis:
“Estou aqui porque estou cansado de ver o sofrimento de
tantas pessoas enquanto 1% da população está acumulando toda a riqueza nas
costas dos trabalhadores. A polícia faz parte dos 99%. Infelizmente, não se
deram conta ainda. Mas o que eles estão fazendo é impor a lei dos ditadores,
que são 1%. E eles também estão sofrendo cortes em suas pensões, tem seus
salários reduzidos e nem se dão conta”.
O que surpreendeu foi a tenacidade dos que foram empurrados
dali para fora. Dos que não são ouvidos e não se sentem representados pelo
sistema-teatro bipartidário americano.
Mais de 200 manifestantes foram presos. A polícia prometeu devolver os
pertences coletados durante a noite. Eles seriam depositados no Departamento de
Saneamento Básico. Mentira pura. Conversando com os motoristas das caçambas,
manifestantes descobriram que a ordem era clara: levar tudo para o lixão.
O que se deu em Nova York não foi uma ação isolada da
Prefeitura. Em entrevista a BBC, Jean Quan,
prefeita de Oakland, na Califórnia, deixou escapar: “Acabo de participar
de uma conferência telefônica com outros 18 líderes de cidades do país que estão
enfrentando a mesma situação”. Outra não-coincidência foi a operação policial
casada com a viagem do Presidente Barack Obama. Ele estava bem longe, na
Austrália, quando tudo aconteceu.
A jornalista Amy Goodman, que apresenta o programa
DemocracyNow! correu para o parque assim que soube da movimentação da polícia:
“Os poucos de nós da imprensa que conseguimos furar o
bloqueio da polícia fomos limitados a uma área que fica do outro lado da rua,
diante da praça Zuccotti. Assim que nossas câmeras foram ligadas, estacionaram
dois ônibus diante de nós para bloquear a visão. Eu e meus colegas conseguimos
nos meter no parque e subimos nos montes de barracas e sacos de dormir
empilhados. A polícia tinha conseguido impor um bloqueio quase completo da
mídia para evitar o registro da destruição”.
Não houve meio de evitar o registro.
A biblioteca, antes (foto Luiz Carlos Azenha)
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