Ilda Silva: 'Meu filho começou a trabalhar e meu marido
voltou para casa. Quando vieram renovar o cartão, decidi entregar'
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Desde a criação do Bolsa Família, no fim de 2003, até
setembro deste ano, 5,856 milhões de famílias deixaram de receber as transferências de renda do governo
federal. Os motivos para a saída do programa são os mais variados, mas cerca de
40% dos ex-beneficiários fazem parte de núcleos familiares que aumentaram sua
renda per capita e não se enquadram mais na atual faixa de pagamento do
benefício, destinado a grupos com renda mensal de até R$ 70 por pessoa ou
rendimento individual mensal na faixa que vai de R$ 70 a R$ 140.
Outras dezenas de razões justificam o cancelamento da
transferência no período, como por exemplo o não cumprimento de
condicionalidades na área de educação e saúde (117 mil famílias), revisão
cadastral não concluída (613,1 mil famílias) e até mesmo decisão judicial (20
mil famílias).
Nas contas do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o
estoque de famílias que tiveram as transferências canceladas por aumento de
renda per capita é de 2,227 milhões nos últimos oito anos. Esse universo é
composto principalmente por pessoas dentro do grupo que foram beneficiadas pela
atual política de valorização do salário mínimo. Ao conseguir um trabalho
formal elas podem ser identificadas pelos gestores municipais ou a partir da
base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do
Trabalho. Além disso, também se destacam pequenos empreendedores que montaram
negócios e quem foi alcançado pela aposentadoria rural ou pelo Benefício de
Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), que pagam um salário mínimo
para ex-trabalhadores rurais, idosos e deficientes.
Tiago Falcão, secretário nacional de renda de cidadania do
MDS, explica que as saídas não podem ser atribuídas somente aos benefícios
pagos pelo Bolsa Família, que hoje variam de R$ 32 a R$ 306, dependendo do
número de filhos, mas sustenta que o programa contribui para aumentar a renda.
“Além disso, o Bolsa e outros programas de transferência de renda [previdência
rural e BPC] chegaram definitivamente aos mais pobres, permitindo
principalmente o aumento da renda do trabalho de forma combinada. Por isso
tivemos efeitos interessantes na saída da pobreza”, comenta Falcão.
Ele ressalta que os dados de saída do Bolsa Família precisam
ser vistos com cautela por se tratarem de um estoque. “Há sempre famílias
entrando e saindo. E quem saiu pode ter retornado. E mesmo aqueles que alcançam
o mercado formal de trabalho permanecem muito pouco tempo nessa situação, e
para os grupos mais vulneráveis a rotatividade no emprego é ainda maior”,
acrescenta Falcão.
A especialista no estudo da pobreza Lena Lavinas, professora
do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
lembra que os cancelamentos do Bolsa Família justificados pelo aumento da renda
per capita dos beneficiários não tiveram impacto global na folha de pagamento e
no número de famílias assistidas, que há três anos varia entre 12,3 milhões e
12,8 milhões.
“Dados do Censo indicaram que o país tem mais de 16 milhões
abaixo da linha de indigência [renda per capita mensal de R$ 1 a R$ 70], o que
revela que a cobertura do Bolsa Família está aquém da demanda. Esse grupo está
sempre entrando e provavelmente quem saiu não deveria ter saído por causa do
alto grau de vulnerabilidade. O importante é que o governo federal reconheceu
que o número de indigentes é maior do que se pensava e nem todos recebem o
benefício”, diz Lena.
Para gestores municipais do Bolsa Família, o programa
precisa ter políticas complementares mais eficientes em larga escala para
garantir melhorias na qualidade de vida dos beneficiários e uma eventual
inserção produtiva, como política de emprego, cursos de qualificação, ações de
transferência de renda complementar. “Essas ações estão integradas entre União,
Estados e municípios, mas essa integração aqui em São Paulo, onde temos uma
grande estrutura e capacidade de gestão, é completamente diferente da de uma
cidade do interior do Nordeste. Além disso, elas precisam ter um acompanhamento
mais próximo, que é o que deve ocorrer com o Brasil sem Miséria”, opina Luis
Fernando Francisquini, coordenador de gestão e benefícios da Secretaria
Municipal de Assistência Social de São Paulo.
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