Moral Seletiva
'Moral seletiva é teatro, dos piores' |
'Moral seletiva é teatro, dos piores'
Tenho uma clara dificuldade para lidar com a hipocrisia.
Uma vez ouvi que político é tudo igual: bastaria chegar ao
poder, que se tornaria um corrupto. É... Bastaria alcançar o poder para roubar
igual aos outros. Foi o que ouvi. Claro, mas claro que não podia concordar com
essa, digamos, tese.
Tentei argumentar: ninguém é igual; políticos bem
intencionados e éticos há, e por aí fui. Irredutível: que nada! Quando chega ao
poder fica tudo igual. Antes, é tudo honesto. Chegou lá, rouba igual àquele que
criticava. Aí perguntei, já meio irritado: se você afirma que qualquer um que
chega ao poder “vira” ladrão, então você “viraria” ladrão também? Seria um
ladrão em potencial? Porque você não é melhor do que ninguém. Nem eu. Então, se
todos roubariam, você também roubaria? É isto? Ele contra-atacou, surpreso:
está dizendo que sou ladrão? Respondi: não, foi você quem disse. E como você
não é melhor do que ninguém... Porque eu não seria ladrão. E como não seria, e
não sou melhor do que ninguém, até por isto não posso crer que todos são
iguais, que todos são ladrões, que todos roubariam. Silêncio... O pessoal do
deixa-disso chegou...
É a tal da moral seletiva. Nesse caso, você se exclui. Mas
há outras situações, em que não é você quem se exclui, mas o que você deseja
que seja excluído. Pior quando isto envolve mais do que você. É difícil
assistir a esse teatro (sim, moral seletiva é teatro, dos piores). Vide as
campanhas de moralidade pública travestidas da mais fina e repugnante
hipocrisia.
Desde pouco depois que o ex-presidente Lula assumiu a Presidência da República que ouço a
cantilena de corrupção, no sentido de que esse mal teria mostrado as suas
garras a partir da assunção do torneiro mecânico ao poder. A corrupção seria
obra daquele, e (agora) desse governo.
Incrível como não ouvi esse mesmo clamor e cobertura midiática irresignada, por
exemplo(!), à época em que se votou favoravelmente à reeleição do ex-presidente
FHC. Ou à época das privatizações, em que os beneficiários recebiam do BNDES as
verbas que necessitavam para “pagar” o preço.
Deleite maior é quando a irresignação parte de algumas (nada
raras) figuras que não têm o menor arcabouço moral pra estar atacando a ética
ou a moral de ninguém. Os caras são uns pilantras de marca maior, seus partidos
são mais sujos do que pau de galinheiro, e com a cara do mais duro mogno de que
se vestem posam de paladinos da moral e da ética. Nem dá pra engolir, tampouco
consigo fazer coro.
E esse é o ponto. Não dá pra fazer coro.
André Falcão é advogado, escritor e editor do Blog do André
Falcão.
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