A corrupção é uma praga que corrói e deve ser combatida, mas
ao movimento falta qualquer tipo de proposta objetiva, o que o transforma num
simples desabafo, além de servir a interesses escusos
O buraco é mais embaixo |
Governos progressistas precisam dizer ao que vêm. Os
socialistas europeus se renderam às regras do mercado e foram engolidos pela
crise, possibilitando o crescimento da direita. Barack Obama, eleito como sinal
de mudança após a truculência republicana, está com seus menores índices de
popularidade, sem conseguir reduzir o poder do mercado e tímido demais ao
enfrentá-lo. Dificilmente voltará a ter os votos dos que acreditaram no lema
"yes, we can", já que não pode mudar nada e enfrenta uma insatisfação
que cresce e aparece no movimento "Ocupar Wall Street".
Não adianta ser de esquerda ou progressista sem implantar
nos governos uma linha de atuação que assim os identifique.
O governo Lula começou amarrado pela Carta aos Brasileiros e
a necessidade de recuperar um país em frangalhos e parecia condenado a ser mais
do mesmo, apesar das boas intenções. Aos poucos, foi encontrando o caminho, e,
no segundo mandato, deslanchou. A ênfase nos programas sociais, o fim das
privatizações em grande escala e o papel atuante do Estado levaram o Brasil a
outro patamar, elogiado no mundo todo.
A atuação decisiva do governo e o uso das ferramentas do
Estado no enfrentamento da crise econômica foram exemplares. Ao oferecer
crédito em meio à crise, fortalecer o mercado interno e movimentar a economia,
o Brasil mostrou que não se resolvem situações de aperto econômico com mais
aperto. O sufoco por que passam muitos países europeus, condenados a apertar
ainda mais os cintos e a sacrificar suas populações, mostra que este modelo de
rigor fiscal não dá certo. E, além do mais, é injusto, pois condena as pessoas
a pagar pelos erros que não cometeram, enquanto os responsáveis são sempre
socorridos pelos Estados e continuam na bonança.
Certa vez, elas 'cansaram' |
O governo Dilma é um prosseguimento do governo Lula nas suas
linhas mestras. Em sua visita à
Bulgária, Dilma reafirmou os compromissos com o crescimento e com um modelo que
não interrompa o ciclo virtuoso que o país vem vivendo. A presidente não cai no
conto da ameaça inflacionária como inibidora de uma política expansiva e atua
com firmeza, inclusive sobre a taxa de juros, para não deixar que o mercado
retome o controle total do país.
Neste sentido, parecem fora de foco as manifestações contra
a corrupção que tentam emplacar por aqui. Não que a corrupção não deva ser
combatida, pois é uma praga que corrói nossa sociedade desde os tempos de
colônia. Mas ao movimento falta qualquer tipo de proposta objetiva, o que o
transforma num simples desabafo, além de servir a interesses escusos. Os casos
de corrupção que vieram à tona foram resolvidos e não se nota no atual governo
complacência com este tipo de situação.
Talvez fosse mais efetivo um movimento pela reforma política
que mudasse as regras do jogo e impedisse que governos progressistas ficassem
reféns de alianças com fisiologistas. Ou por uma forma de democracia mais
direta, pela qual os governos pudessem consultar a população sobre diversas
temas e deixá-la decidir sobre os rumos do país.
O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve visitando o acampamento do movimento
"Ocupar Wall Street", no parque Zuccotti, em Nova York, e falou aos
manifestantes.
"Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a
ganância, o problema é o sistema", disse ele, salientando as
possibilidades quase ilimitadas que nos são oferecidas sem que, na prática,
possamos desfrutar delas. "É possível viajar para a lua, tornar-se imortal
através da biogenética... Mas olhem para os terrenos da sociedade e da
economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco
os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade.
Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso
significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos
prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados
de saúde."
O discurso de Zizek deveria ser escutado aqui. As questões
por ele levantadas são as essenciais. Também seria necessário taxar mais os
ricos e o governo está em plena campanha por mais dinheiro para a saúde. A
reação por aqui é exatamente a mesma que ele aponta. A corrupção não é o
problema central. A luta deve ser por mais bem comum. E isto, no estágio de
desenvolvimento brasileiro, é melhor saúde e educação para todos e uma
possibilidade de um padrão de vida decente, sem desigualdades que nos
envergonhem. Corrupção existe no mundo todo e precisa ser enfrentada com
aperfeiçoamento dos mecanismos de investigação e punição. Mas está longe de ser
uma questão transformadora.
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