Reportagem de Eduardo Sales de Lima
Antropóloga aponta quem e quais são as principais
características dos grupos neonazistas no Brasil
Bolsonaro exibe 'mural da vergonha'. Foto: Agência Brasil |
O jovem punk Johni Raoni Falcão Galanciak foi assassinado na
madrugada do dia 4 de setembro. No dia 29 do mesmo mês, a Justiça condenou a 31
anos e 9 meses de prisão, Vinícius Parazatto, um dos skinheads acusados de
obrigar dois jovens (que usavam camisetas com nomes de bandas punks), a pular
de um trem em movimento, em Mogi das Cruzes, em 2003. Um deles morreu, o outro
perdeu um braço. Entretanto, cabe recurso a Vinícius.
Os dois fatos reacendem mais uma vez a luz sobre o
crescimento de grupos de extrema direita no país, sobretudo na região
metropolitana de São Paulo.
No Brasil, a partir da década de 1980, surgiam os “Carecas
do ABC”, em contraposição ao movimento popular e sindical, capitaneado então
por Luiz Inácio Lula da Silva.
Anos depois, o contexto atual pode ser explicado, em grande
parte, pelo acalorado debate nas eleições presidenciais no ano passado. É o que
pensa a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que estuda a questão do
neonazismo no Brasil desde 2002.“A questão do preconceito aos nordestinos, que
apareceu no ano passado, vem desde as eleições do Lula. Na eleição da Dilma,
isso se radicalizou muitíssimo porque foi levantada a questão do aborto, do
casamento gay”, lembra Adriana.
Segundo ela, obviamente, por trás de vários tipos de
preconceitos existem questões de classe. Mas vai além. Segundo Adriana, no caso
do racismo exercido por certos grupos, o que existe não é somente opinião, mas
uma emoção “contundente e violenta”.
Ela acrescenta ainda que nas crises, “nos momentos em que a
humanidade é chamada a depor”, sobretudo de âmbito econômico, os movimentos
fascistas tendem a ganhar mais espaço em parte da juventude .“Por exemplo,
quando surgiram as cotas raciais. A gente viu um grande movimento desses grupos
contra as cotas”, lembra.
Muita coisa mudou da época dos “Carecas do ABC” para cá.
Sobretudo a possibilidade de comunicação entre esses membros de grupos
fascistas, com o uso da internet. Adriana identificou impressionantes 150 mil
endereços IP (protocolos de internet) de brasileiros que baixaram pelo menos
100 arquivos de páginas neonazistas. O site Valhala88, desativado em 2007,
chegou a receber 200 mil visitas diárias no Brasil.
O que leem
Há dois grandes grupos etários de neonazistas no Brasil, de
acordo com Adriana. O primeiro tem entre 18 e 25 anos. O outro entre 35 e 45
anos, que seriam os líderes.
Segundo ela, a leitura dos neonazistas é composta por
William Patch, Thomas Haden, Miguel Serrano. “Eles acessam muitos fóruns no
exterior e leem muita literatura revisionista, que na verdade é negacionista
[negação do holocausto], relata.
De acordo com Adriana, os neonazistas brasileiros “baixam”
muito mais traduções em português, espanhol, e inglês, mas dificilmente em
alemão. “A grande maioria nem sequer lê em inglês”, pontua.
Quanto aos autores brasileiros, alguns jovens assistem a
seminários promovidos pelo Instituto Plínio Correia de Oliveira (criador da TFP
- Tradição, Família e Propriedade) e gostam dos escritos do jornalista Olavo de
Carvalho. “Eu não quero dizer que Olavo de Carvalho seja amigo de todos eles
por conta disso”, afirma Adriana.
Ainda de acordo com a antropóloga e sem quantifi cá-los, ela
destaca que metade deles [neonazistas] que “estudou” possuem uma visão
“cosmo-religiosa”. Adriana explica que uma parte dos neonazistas tenta chamar o
nacional-socialismo de nacional-espiritualismo. “É uma tentativa de dar uma
camuflagem de opinião ou de religiosidade ao grupo. O nazismo não é uma
religião, não é uma opinião. Ele é uma ideologia. Se você entra na questão da
opinião e na religião, acaba virando uma desculpa de liberdade de crença. E não
é”, pondera.
O que ouvem
“É nítido ver qualquer agressão vinculada a grupos de extrema
direita, em locais onde a música é o pano de fundo”, afirma pesquisadora sobre
o tema que preferiu não ser identificada.
De acordo com ela, a música exerce um papel primordial sobre
os jovens neonazistas. “Colocando a música dentro de um cenário político e com
letras que reverenciam o poder, elas podem entrar na consciência de um
indivíduo mais do que em qualquer outro ‘meeting político’, por ser mais suave,
e por em princípio ser inocente, mas com propriedade densa”, revela.
Como explica a pesquisadora, o tema em geral das músicas
neonazistas (no Brasil e no mundo) versa sobre o poder branco, nacionalismo
exacerbado, usam indiretamente menções de Hitler e a alguns personagens que
fazem parte da história do partido nazista.
Em relação às bandas do Brasil, há o Comando Blindado, a
banda Zurzir (o vocalista desta banda recebeu uma intimação judicial e foi
preso, pelo teor das letras nas músicas). Defesa Armada e Resistência 88 também
figuram na cena musical neonazista.
“Os números 8 e 88 correspondem à oitava letra do alfabeto,
que é “H”. Logo, o 88 é HH, iniciais de Heil Hitler. Uma pequena ideia da
comunicação entre estes grupos. A música exerce uma força muito grande, da
mesma forma que Leni Riefenstahl teve o poder sobre o cinema na propaganda
nazista”, lembra.
Prussian Blue
Como alguns exemplos de bandas internacionais, a
pesquisadora cita o caso das Prussian Blue. “Elas [duas garotas, Lynx Gaed e
Lamb Gaed, gêmeas de 19 anos de idade] começaram em eventos musicais de extrema
direita, com bandas da mesma linha. A mãe das meninas é uma racista declarada.
Elas não estudaram em escolas, pois a mãe lecionava para elas em casa. Elas não
podiam ter nenhum contato com o mundo externo. Há vídeos no Youtube (veja aqui
um deles, em inglês) em que as meninas até dançavam em torno da suástica”,
conta a pesquisadora.
O álbum alcançou o quarto lugar na lista da revista
Billboard.
Segundo a pesquisadora, em todas as letras das duas garotas,
há um “entendimento político extremista sério”. “Até que ponto podem ir estes
embriões de Hitler, influenciando outras jovens, em formação de opinião?”,
questiona a pesquisadora.
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