Jogo sujo: Jobim e Sobel agiram juntos para boicotar Amori |
Documentos revelam: para desestabilizar ex-chanceler,
embaixada norte-americana contava, principalmente, com então ministro Nelson
Jobim
Jogo sujo: Jobim e Sobel agiram juntos para boicotar Amorim
Aos olhos do serviço diplomático dos Estados Unidos, em
especial durante a era Bush, a posição independente do Ministério das Relações
Exteriores, capitaneado por Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, parecia uma
constante provocação. Nos telegramas vazados pelo WikiLeaks, o MRE é acusado de
dificultar as relações bilaterais por suas “inclinações antiamericanas”,
definidas por um ministro “nacionalista” e um secretário-geral “antiamericano
virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães), e secundado por um “acadêmico
esquerdista” (Marco Aurélio Garcia), conselheiro de política externa do
presidente Lula.
“Manter a relação político-militar com o Brasil requer
atenção permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação
bilateral no hemisfério”, desabafava o embaixador John Danilovich, em novembro
de 2004.
Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou convencer
Amorim da ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava à região. A
resposta “clara” e “seca” do chanceler desapontou o americano:
“Nós não vemos Chávez como uma ameaça. Não queremos fazer
nada que prejudique nossa relação com ele”. E cortou o assunto.
O sucessor de Danilovich, Clifford Sobel, teve mais sorte. O
ex-ministro da Defesa Nelson Jobim era interlocutor contumaz do embaixador, a
ponto de confidenciar sua irritação com o MRE, em especial com Pinheiro
Guimarães. Tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana que
explorava a divisão dentro do governo em proveito próprio, como revelam os
telegramas.
Para os EUA, Celso Amorim é "nacionalista
antiamericano"
Para os EUA, Celso Amorim é "nacionalista antiamericano" |
Em fevereiro de 2009, já com Obama na Presidência dos
Estados Unidos, Sobel enviou uma série de três informes, sugerindo formas de
contornar o triunvirato “esquerdista” da política externa brasileira. O jeito,
afirma, seria fazer aliança com o setor privado, que tem “habilidade para
conseguir aprovar iniciativas junto ao governo” e tentar uma aproximação direta
com Lula e outros ministros que poderiam defender a causa americana.
Uma “estratégia testada”, afirma Sobel, citando entre outros
exemplos o caso da transferência para o Brasil dos 30 agentes da DEA, a agência
americana de combate às drogas, expulsos da Bolívia por Evo Morales no fim de
2008. “Apesar da recusa do MRE de conceder vistos aos agentes, conseguimos
realizar a transferência com a ajuda da Polícia Federal, da Presidência da
República e de nossas excelentes relações com o ministro da Justiça (Tarso
Genro)”, gaba-se.
O segundo telegrama foca os minguados recursos humanos e
financeiros do Itamaraty, apresentando-os como oportunidade para os Estados
Unidos. Muitos cargos diplomáticos estavam sendo preenchidos por “trainees e
terceiros-secretários” por falta de pessoal para as novas embaixadas
brasileiras, observa o embaixador americano, acrescentando que seria “crucial
influenciar essa nova geração”.
“Os franceses instituíram um programa de intercâmbio
diplomático com o Itamaraty em 2008, semelhante ao nosso Transatlantic
Diplomatic Fellowship, e agora têm um diplomata trabalhando no Departamento
Europeu do Itamaraty. Uma proposta similar seria válida para conseguir um posto
que nos permita observar de dentro esse ministério-chave e mostrar como os Estados
Unidos executam sua política externa”, sugere.
No terceiro telegrama, Sobel afirma que, embora o MRE
continuasse a ser o líder incontestável da política externa brasileira, o
crescimento internacional tendia a erodir seu controle. Apesar da falta de hábito
das instituições brasileiras em lidar diretamente com governos estrangeiros,
alguns ministérios como o do Meio Ambiente e, principalmente, o da Defesa
estabeleceram relações diretas com a embaixada norte-americana em Brasília,
relata.
Todas as ações e articulações foram feitas em sigilo
Todas as ações e articulações foram feitas em sigilo |
Um telegrama enviado em 31 de março de 2009, depois da
visita do presidente Obama ao Brasil, dá um exemplo prático da eficiência dessa
estratégia. Pedindo sigilo absoluto de fonte, o embaixador conta que Jobim
pretendia contribuir com o combate ao narcotráfico na região, possivelmente
através do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado pela União
Sul-Americana de Nações (Unasul). “Ele disse que o CDS poderia ser o canal
perfeito para conseguir o engajamento dos militares dos outros países sem
passar pelo MRE”, escreve, acrescentando que o então ministro da Defesa estaria
disposto a envolver os militares no combate ao tráfico nas fronteiras
brasileiras. “O plano de Jobim sinaliza um grande passo, uma vez que o assunto
é altamente sensível internamente, no governo, e para o público brasileiro”,
comenta.
Também durante as tratativas frustradas de compra dos caças,
Jobim e os líderes militares agiram longe do Itamaraty, como mostram os cerca
de 50 telegramas sobre o tema. Em um deles, Sobel relata a visita da comitiva
presidencial à França e comenta, com ironia, as reportagens da imprensa
brasileira que afirmam o apoio de Lula, Amorim e Jobim à aquisição dos caças
Rafale: “Talvez isso seja mais um marriage blanc do que amour veritable”, diz.
E explica: “Nos encontros privados com o embaixador, Jobim minimizou a relação
com a França e manifestou um claro desejo de ter acesso à tecnologia americana.
O obstáculo é o Ministério das Relações Exteriores”.
Sobel também se reuniu com os comandantes das Forças Armadas
para pedir “conselhos” sobre as chances de os caças da Boeing vencerem a
concorrência de quase 10 bilhões de reais. Ficou entusiasmado com o resultado:
“Os apoiadores mais fortes do Super Hornet (o F-18 americano) são as lideranças
militares, em particular o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito”,
relata em telegrama de janeiro de 2009.
O embaixador também obteve “uma cópia não oficial” de uma
Requisição de Informações da Aeronáutica (passada eletronicamente para
Washington), que “permite planejar os próximos passos para os Estados Unidos
vencerem a negociação”. Além de garantir que o preço não seria o principal
critério da escolha, o documento informa que a Embraer, “principal beneficiária
de qualquer transferência de tecnologia”, consideraria “desejável a
oportunidade de estabelecer uma parceria com a Boeing”, principalmente se
houvesse “a intenção de oferecer uma cooperação adicional na área da aviação
comercial”.
À luz dos telegramas do WikiLeaks, o relatório apresentado
em janeiro de 2010 pela FAB ao ministro
Jobim, colocando a aeronave sueca (Saab JAS 39 Gripen) como melhor opção,
exatamente por causa dos custos, traz novas indagações. O Rafale francês foi
classificado em terceiro lugar, atrás dos caças americanos, esse sim apontado
como o de melhor tecnologia. Mas não era o preço que importava, não é?
Por Marina Amaral e Natalia Viana, em Publica
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